Quando achávamos que o Amazonas já estava no fundo do poço, diante do caos e da incapacidade de respostas na pandemia, no grave mês de janeiro que não nos permitiu respirar, eis que o jornalista Geraldo Samor destaca, no primeiro dia do mês de fevereiro de 2021, com exclusividade: “ENEVA leva campo de Urucu em repescagem contra 3R” (https://braziljounal.com).
O jornalista, especialista nos negócios do Mercado Financeiro, abriu a reportagem anunciando: “a Petrobras escolheu a Eneva como vencedora na disputa pelo campo de Urucu, um evento transformacional na história de uma companhia que sempre lutou contra as dúvidas de que teria acesso a gás suficiente para perenizar seu negócio […]”. (o grifo é meu).
Ao ler, imediatamente, me veio à lembrança as recomendações “proféticas” do ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, durante a reunião da cúpula do Governo Bolsonaro, em 22 de abril de 2020: temos que aproveitar o momento em que todos os meios de comunicação só falam em pandemia e “passar a boiada”.
Parece que o ministro da Economia entendeu bem o recado do colega Salles, e, com a anuência “silenciosa” do ministro de Minas e Energia, aconselhou, satisfatoriamente, o cronograma de trabalho da atual diretoria, com “d” minúsculo, da “PETROBRAX” e seu Conselho Administrativo.
Num linguajar financeiro, Geraldo Samor retrata que, em novembro (2020), a Eneva e a 3R haviam feito propostas por Urucu, com a 3R sendo muito mais agressiva. Não revelando a fonte, que ele chamou de “fonte com conhecimento dos números”, o jornalista informou que a 3R ofereceu US$ 1,1 bilhão pelo campo, enquanto a Eneva propôs US$ 600 milhões.
A repescagem foi necessária, segundo Samor, pois, a proposta da 3R continha condicionantes que a inviabilizavam: “o rompimento do contrato com a TAG (o gasoduto que transporta o gás a uma tarifa alta e que a Petrobras recentemente vendeu à ENGIE) e o rompimento do contrato de fornecimento de gás com a distribuidora do Amazonas (CIGÁS)”. E, salientou: “o fim destes contratos recalibraria o ‘economics’ de Urucu, permitindo à 3R fazer o bid mais agressivo“.
Na nova rodada, em meados de janeiro (2021), em meio ao caos da saúde amazonense, reporta o jornalista, a Eneva aumentou sua oferta entre 30% e 40%, e a 3R, na contramão, apresentou uma proposta bem menor, segundo suas fontes próximas às negociações.
Em conversa com os investidores da Eneva (os maiores acionistas são o BTG Pactual e Cambuhy, com 22,93% cada, e a tríade formada por VELT Partners, Atmos e Dynamo, cada um com cerca de 5% do capital e alinhadas por um acordo de acionistas), Geraldo Samor descreve que os executivos da empresa já sinalizam que “pretendem vender o excedente de gás em estados como Roraima, Acre, Rondônia e até Mato Grosso, oferecendo uma solução para o Norte e Centro-Oeste, regiões que não serão atendidas pelo gás do pré-sal porque estão longe da costa”.
Conclui a reportagem, afirmando: “Com Urucu, a Eneva passa a ter excedente de gás para vender, ou transformá-lo em energia elétrica, o que deve destravar uma série de investimentos. […] Na manhã desta segunda-feira (1), a companhia (Eneva) vale R$ 20,5 bilhões na B3”.
Ao ler o texto, que possui parágrafos com informações inconsistentes, digo, até, “especulativas”, me senti em Wall Street, ou na Avenida Paulista, nunca, na Amazônia, em uma base operacional da indústria petrolífera no coração da floresta.
Embora não seja um especialista, aprendi muito, com a experiência na gestão pública no Amazonas, a mediar conflitos e captar bons investimentos de cultura especulativo-financeira, comuns no ecossistema de negócios da indústria extrativa.
Não sou contra o Mercado Financeiro. Ele teve, tem e terá um papel fundamental às economias nacionais e mundiais, assegurando investimentos às empresas privadas e públicas.
Mas, ao considerar um péssimo negócio ao Amazonas e à Amazônia, destaco, aqui, três pontos fundamentais à governança socioambiental que muito me incomodam nas atividades econômicas, especialmente, àquelas estratégicas e de alto risco, identificadas nessa venda: (1) o bioma, seus recursos naturais e populações residentes não devem ser tratados como simples commodities ou externalidades de pouca relevância; (2) a especulação financeira, sem escrúpulos e pouco transparente, foi, é e poderá ser tão nociva e letal quanto o câncer histórico da corrupção; (3) o atual valor de mercado da Eneva terá capacidade suficiente de resposta para suportar os investimentos em segurança, saúde e ambiente necessários ao risco operacional de Urucu, hoje, disponíveis no know-how e patrimônio histórico da Petróleo Brasileiro S.A.?
Dizem que a memória do brasileiro é curta… mas, ainda não nos esquecemos das recentes relações especulativas, danosas e criminosas ao erário público das empresas que traziam o “X” da questão; das tragédias ambientais no Estado de Minas Gerais provocadas por indústrias extrativas geridas por movimentos de interesse, exclusivamente, financista societário; do apagão no Amapá que mostrou a face obscura e irresponsável dos processos de privatização do Estado brasileiro, especialmente, em áreas/temas estratégicos, como a Energia…
Enquanto faltar ao Governo Bolsonaro um olhar cuidadoso sobre a Amazônia, estaremos atentos e mantendo nossos leitores assistidos pelo olhar cuidadoso deste espaço do Jornal do Commercio do Amazonas. Podem até querer passar a boiada, mas não faltará oxigênio à sociedade amazonense na discussão de seus destinos.