O cientista político Bolívar Lamounier foi extremamente inteligente ao convidar os seus leitores, em meados da década de 90 do século passado, a compreensão de que o sistema político brasileiro só se torna possível vis-à-vis à Tirania da Aritmética. A estrita obediência aos algoritmos matemáticos para a formação de uma maioria parlamentar, relativizando os princípios ideológicos ou programáticos na hora de se compor a base de apoio ao governo, parece-me ser, na montagem dos governos pós-Constituição de 1988, a exigência mínima, razoável e realista para a sobrevivência de governos naquilo que se convencionou nomear de presidencialismo de coalizão brasileiro.
O cálculo é paradoxalmente simples e complexo. A montagem do governo, após o encerramento do processo eleitoral, passa necessariamente pela exigência da governabilidade. Governabilidade implica, por definição, a formação de maiorias permanentes no Legislativo nas duas casas para que os projetos do governo, especialmente o projeto de mudanças constitucionais e reformas institucionais, possam ser aprovados com ampla maioria. Além do mais, a governabilidade preserva a boa imagem do governo pelo fato de inibir a abertura de CPIs e outros processos contrários aos interesses estratégicos da agenda governamental.
A moeda de troca, exigida na totalidade dos casos pelo bloco partidário de apoio legislativo pró-governo, são os cargos públicos da administração direta e indireta, traduzidos em controle de Ministérios e estatais, em especial aquelas arrecadadoras e que movimentam abundantes recursos orçamentários. Esta coordenação estratégica entre os interesses do Executivo e Legislativo faz com que a governabilidade se torne possível. (Pesquisadores criaram eficientes métodos de aferição da congruência entre a formação de maiorias parlamentares e composição partidária dos cargos do poder Executivo por meio da taxa de coalescência, aplicada originalmente pelo cientista político Octávio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas).
Ao longo desses trinta anos, tivemos experiências positivas e negativas a esse respeito. Dois governos interrompidos por processos de impeachment (Collor e Rousseff), sucessivas crises de governabilidade (primeiro governo Lula e último de FHC), monetização das relações entre Executivo e Legislativo, com inúmeras denúncias de compra de votos, que vão desde a compra de votos para a aprovação do projeto de reeleição do presidente FHC até o caso do Mensalão já no governo Lula.
Porém, o sistema não foi apenas disfuncional, mergulhado em paralisia de decisões, uma vez que conseguiu paulatinamente aprovar uma agenda virtuosa de reformas nas áreas econômica e social. Nesse caso, a mobilização do Congresso Nacional para a aprovação das reformas responsáveis pela modernização econômica a partir do Plano Real foi decisiva. O aprimoramento das políticas sociais, com o incremental aumento das verbas do orçamento, também contou com o apoio do Legislativo. Mais recentemente, o presidente Michel Temer conseguiu aprovar um pacote diversificado de medidas, como a PEC do Teto dos Gastos Públicos (limitando a sangria no orçamento público federal), a Reforma Trabalhista e outras medidas importante, a fim de desmontar parte do quebra-cabeça fiscal que drena recursos econômicos da sociedade para o ineficiente aparato estatal.
A preocupação perene para o próximo presidente da República é a sua capacidade de garantir a governabilidade com a formação de uma ampla maioria parlamentar. Sem confiança da população nem boa base parlamentar, o risco de termos um “pato manco” na presidência da República é altíssimo. (Ou, no jargão da política norte-americana, o “pato manco” é o presidente incapaz de governar o país por não possuir mais maioria parlamentar). Propostas extravagantes e refratárias ao presidencialismo de coalizão (que já se mostraram incontáveis vezes ineficazes) podem, indiscutivelmente, empurrar o país rumo à paralisia decisória, comprometendo ainda mais o crescimento econômico e o bem-estar da população, especialmente, dos mais pobres.