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Sem credibilidade, não há resposta eficiente, nem respeito ao comando

Quando pequeno ouvia do meu pai, histórias de sua vida pelas guerras, a civil espanhola e 2ª guerra mundial, onde combateu no Norte da África.

Na miséria absoluta da guerra civil espanhola, contava ele sobre o dia em que meu avô, saindo para o trabalho com uma pedra envolta no pano, simulando o que seria sua refeição do dia, retornou, no final da noite, com 2 moedas.  Como meu pai era o mais novo na família, uma criança não despertaria tanta atenção, meu avô pediu que ele fosse comprar, com aquela diária, na venda, distante alguns quilômetros, uma espiga de milho para que pudessem ser plantados os grãos no terreno montanhoso do sitio onde viviam, região de Astúrias, Norte da Espanha. 

A fome era tanta, que, na caminhada de volta, meu pai roeu metade dos grãos da espiga. O castigo daquela criança, de quatro ou cinco anos, com fome, foi: debulhar os grãos restantes, ficar no canto da casa, de frente para a parede, de joelhos sobre os grãos, segurando duas bíblias, pesadas, uma em cada mão.

Entre as neuroses e doenças adquiridas na guerra, meu pai chorava e ficava nervoso, quando, minha mãe adiava as compras do mês, e ele, por descuido, via as prateleiras da cozinha vazias de mantimentos.

Entre as poucas certezas que temos nesta guerra pandêmica, as primeiras vacinas disponíveis no Brasil são como aquela espiga de milho que meu pai trazia para a sobrevivência de sua família. 

Cada grão, digo, dose, desperdiçada, fez, faz e fará a diferença entre a vida e a morte de pessoas. Cada segundo que perdemos no atraso do processo de vacinação, também.

Infelizmente, nossos gestores locais e suas irresponsabilidades, se juntam aos gestores federais, nos levando do caos em Manaus a ser piada nacional.

Não bastasse a barbárie das mortes coletivas nas alas dos hospitais pelo colapso do oxigênio medicinal; do aumento de óbitos em casa pela falta de leitos privados e públicos no Amazonas, ou pelo medo da população em buscar tratamento nos hospitais, nossas autoridades locais não foram capazes de iniciar um programa de vacinação decente e transparente. Não conseguiram sequer elaborar, previamente, uma lista de seres humanos prioritários, trabalhadores nos pronto-atendimentos de saúde, e viventes nas aldeias e comunidades ribeirinhas…

A média, um cálculo lógico, racional, parece não estar traduzindo o retrato da tragédia no Amazonas. Talvez esteja faltando capacidade ou competência na análise crítica dos números e suas representações/gravidade. Em nosso caso, na segunda onda, presenciamos durante a última semana, deste trágico mês de janeiro de 2021, uma morte a cada 12 minutos. Na hora H do dia D, chegamos a enterrar um ser humano, com famílias, amigos, a cada seis (6) minutos… ao longo das 24 horas daquele dia, sem parar… 

O caos real nos mostrou o inferno: esgotados os cilindros de oxigênio, em alguns poucos segundos, talvez, minutos, sedados, ou não, coletivamente enfermarias inteiras superlotadas, cobriram com lençóis, no último ato de respeito dos médicos e enfermeiros, seus pacientes defuntos. 

Ao imaginar a agonizante falta de ar dos que vieram à óbito, me lembrei do mau- estar sentido numa viagem à Bolívia, causado pelo ar rarefeito e o pouco oxigênio circulante na altitude da cidade de La Paz. A família que me acolhia na viagem, tinha, em sua sala, preventivamente, um cilindro cheio de oxigênio. Quando naquela madrugada, me despertei, passando mal por falta de ar, senti, pela primeira vez na vida, a incômoda sensação de morte.

Ao poder respirar, com o auxílio de aparelhos, reconheci o conceito de liberdade, liberdade à vida. Entendo como LIBERDADE a capacidade universal de acesso à vida…

É por esse motivo que ressalto: o estado do Amazonas e o seu povo, continuamos escravizados, na servidão contemporânea da falta de escrúpulos políticos, em “capitanias hereditárias”, sendo tratados pelas autoridades locais e pelo Governo Federal como “cobaias”, ou, como meros números, distantes, numa estatística subnotificada.

Diante da “subnutrição” educacional que estamos atravessando, somente o medo, ou o luto, conseguiram impedir, nesta última semana, que a população manauara saísse às ruas, no distanciamento social necessário e preventivo. 

Estamos reproduzindo em Manaus, ao longo de todo o período de pandemia, desde os primeiros meses de 2020, o exemplo e as recomendações de nosso presidente da República, Jair Messias Bolsonaro: nunca fizemos ou respeitamos, o pedido de lockdown; pouco testamos, portanto, nossas decisões são “intuitivas” e guiadas pelos gritos e força das ruas e redes sociais; não usamos as “desprezíveis” máscaras; e, consideramos, infelizmente, que o Brasil estava enfrentando uma gripezinha, afinal, nem entendemos bem o que seria esse nome novo, uma “criação sino-comunista”, essa tal de pandemia.

Na pobreza das relações econômicas e desigualdades locais vigentes, não havia – e continua não havendo – opção de sobrevivência nas casas amazonenses. A comida estava e está, para a grande maioria da população de Manaus, na informalidade e no escambo das ruas.

Com a experiência de ex-gestor público federal e estadual, andei me perguntando durante estes dias: para que servem os ministros, secretários, diretores, comandantes militares, assessores…? 

Suas palavras, relatórios, recomendações, cenários, estariam sendo lidos, ouvidos, analisados, discutidos, engavetados, deletados ao lixo eletrônico; ou, terceirizamos e degradamos tanto o Estado brasileiro que já estamos, hoje, incapacitados de tomar decisões estratégicas?

Ao invertermos a hierarquia das coisas, vemos a dimensão política, àquela que deveria mediar conflitos, sobrepujar as demais técnicas e o resultado do clientelismo e oportunismo pode ser visto a olho nu: estamos perdendo feio a batalha contra um vírus…

Diante de ex-secretários/secretárias estaduais de saúde, da fazenda…, usando tornozeleiras eletrônicas, continuamos a presenciar a seletividade da justiça, com “j” minúsculo, no tratamento diferenciado aos políticos e executivos, que, solidariamente, assinam os Diários Oficiais, afiançando as escolhas, os contratos irregulares e seus “maus caminhos”.

Quando castas são seletivamente preservadas pelo Direito, perpetuamos a INCREDULIDADE popular nas instituições e poderes constituídos, que deveriam constituir-se base do sistema do Estado onde operam, ou deveriam operar, sob regras e/ou princípios da responsabilidade solidária nas decisões e estratégias da coisa pública.

Sem credibilidade, não há resposta eficiente, nem respeito ao comando. Na linha de frente do bom combate à guerra pandêmica, nos deixou uma grande comandante, em quem podíamos, no meio do caos local, acreditar nas palavras e recomendações, Rosemary Costa Pinto, diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, a quem dedicamos este artigo e nossa gratidão e preces ao seu Espírito Eterno, que continua o seu trabalho, agora, em outra dimensão.

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