Junho é um mês mágico. É a cara de nossa infância! É quando finda o primeiro semestre, com as escolas ostentando aquele ar festivo, miríade de sons, cores, sabores, odores da época. É o prenúncio das férias escolares, merecidas para quem obteve bons resultados na escola. É quando o sagrado e o profano se encontram no recinto das igrejas e nos terreiros das casas. É quando as famílias se reúnem para celebrar os santos do mês, Santo Antonio, São João, São Pedro, com novenas, arraiais, simpatias, guloseimas, fogueiras, fogos de artifício. “São João disse, São Pedro confirmou que haveremos de ser compadres/comadres, que Jesus Cristo mandou”. O grau de parentesco selado ao redor da fogueira. No campo, é a época da colheita e debulhada do milho, sempre seguindo o mesmo ritual. No ambiente familiar, é o tempo do lazer, com festas e celebrações o mês inteiro.
Tempos atrás, era a época do boi-bumbá, cujo cortejo descia pelas ruas parando nas casas das famílias dispostas a entrar na brincadeira, “comprando a língua do boi!” A saga do boi cantava a história do negro Pai Francisco que, para satisfazer o desejo de sua mulher, Catirina, grávida, de comer a língua do boi, mata o boi predileto do patrão. Perseguido pelo delito cometido, Pai Francisco é salvo por uma tribo de índios, cujo pajé consegue fazer reviver o boi com suas poções mágicas. Pai Francisco é perdoado pelo patrão e tudo termina bem.
Era assim no passado. Foi assim durante muito tempo. E hoje, o que junho nos evoca?
Com o passar dos tempos, é natural que novos usos e costumes apareçam e que os existentes adquiram modos consoante a nova ordem mundial. Assim, no mês de junho surgiram os festivais folclóricos, com apresentações grandiosas de danças típicas e de outras manifestações culturais. Em vez dos cortejos de antigamente, a saga do boi-bumbá é apresentada em arenas construídas para esse fim, com a galera aplaudindo, mas pouco participando.
Apesar de os valores antigos continuarem dando o tom, nas festas juninas de hoje, além das danças tradicionais como a quadrilha, o tipiti, a cadência do boi-bumbá, o carimbó, o xote, outras danças oriundas de rincões estrangeiros transportam jovens e adultos, como por magia, para além de nossas fronteiras. O mesmo acontece com nossas comidas típicas, pois além do cuscuz, do mugunzá, do tacacá, do pé de moleque, do arroz doce, da pamonha, da tapioca, da cocada, aparecem nos cardápios pratos sofisticados vindos de outras paragens. Dizem que é tudo produto da globalização.
As fogueiras não existem mais, os cortejos do boi pelas ruas, também, não. As quadrilhas são pouco dançadas nos terreiros. Mas, junho continua sendo o mês da festança, talvez até mais do que dezembro, quando, com o nascimento do Menino Jesus comemoramos nossas realizações no ano findante. Mas, é o mês de junho com suas celebrações fagueiras que nos transporta às nossas raízes, que nos ajuda a renovar os traços que chamamos culturais e que fizeram de nós o que somos.
Como nos tempos passados, ainda que com traços mais universais, continuamos festejando os santos juninos com sons, sabores, olores variados, quiçá, repetindo os velhos refrãos, segundo a tradição.
O dia de Santo Antonio é hoje celebrado como o Dia dos Namorados. Essa festa dos amorosos não é de todo uma tradição estranha, pois Santo Antonio sempre foi considerado o santo casamenteiro, arranjando enlaces muitas vezes considerados impossíveis. No afã de encontrar seu par amoroso na estrada da vida, os enamorados atribuem a Santo Antonio poderes ilimitados, castigando-o com simpatias até cruéis quando seus pedidos não são atendidos.
São Pedro, o santo protetor dos pescadores, continua sendo homenageado com a tradicional procissão fluvial. Centenas de barcos enfeitados com flores e bandeirinhas coloridas desfilam pelos nossos rios animando a vida rotineira dos ribeirinhos.
A festa de São João é, sem dúvida, o ponto marcante das festividades de junho, apesar de suas monumentais fogueiras não serem mais erguidas. Em alguns cantos do estrangeiro, como na província do Quebec, no Canadá, a Festa de São João, “La Saint Jean”, em homenagem ao santo padroeiro, é apoteótica.
Todo esse esplendor de mês festivo, toda essa alegria pelos quatro cantos espalhada, toda essa atmosfera reinante, tudo, enfim, foi toldado neste memorável ano de 2020. É que, devagar, como quem não quer, uma sombra instalou-se no semblante atônito das pessoas. E o que se via nos filmes de terror estava acontecendo no mundo real. Os humanos, acometidos de uma estranha enfermidade, letal, altamente contagiosa, tornaram-se vítimas de uma situação dantesca, nunca dantes testemunhada, ao ponto de os médicos do mundo inteiro admitirem desconhecer aquela doença com jeito de simples gripe, causando terríveis sequelas e até a morte.
São meses de luta, de hospitalizações, de perdas, de tristeza, de luto. Diante da pergunta, “O que fazer para superar o mal”, o homem do século XXI pela pesquisa vislumbra “luz no fundo do túnel”. Os grandes laboratórios e as grades Universidades do mundo, finalmente, sentem que já podem anunciar a testagem da vacina que virá domar o mal. E é com esse espírito corajoso, olhando o mundo de frente que os cientistas enviam mensagens de alento e paciência, “Breve poderemos abraçar-nos, beijar-nos, viver a vida sem quarentena, mas sempre com parcimônia, pois a vida no planeta Terra não será jamais a mesma. Mudou! Não mudou, porém, a capacidade do ser humano de amar”.
Quem sabe nas próximas festas juninas ouviremos muitas juras de amor eterno, do tipo, “Santo Antonio disse, São Pedro e São João confirmaram que haveremos de nos amar para sempre, pois Jesus Cristo mandou!”
Viva Santo Antonio! Viva São João! Viva São Pedro!
*Marluce Portugaels é professora