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Reconstrução (01)

Bosco Jackmonth*

É  segmento posto no sumário in “Mundo Mundo Vasto Mundo”, livro da autoria do ora consagrado literato Prof. Carlos Gomes dos quadros da Universidade do Amazonas  e que tem inspirado como fonte para sustentar a este redator seguidos artigos publicados nesta estação de escritos semanais, em que se apura e discorre-se sobre o universo ficcional do autor dessa obra a propósito celebrada pela União Brasileira de Escritores do Amazonas compondo a Coleção Sumaúma.

Quando da sua divulgação o livro mereceu toda a sorte de comentários elogiosos, alguns dos quais registrados especialmente no Posfácio da edição, apontando sobremodo a universalidade da obra, com amparo nos dizeres efusivos assinados por notórios articulistas, que se manifestam como Fábio Lucena, Arthur Engrácio, Márcio Souza e Antônio Paulo Graça consagrando o seu conteúdo, e posicionando o autor como “engajado a uma geração cuja fortuna única consiste em travar contra a monotonia dos dias provincianos, uma luta terrível e desigual.” É como se deu …

Então é que, começando por Fábio Lucena a seguir voltando-se para os jovens. É dito que enquanto na lendária Albion, rica de História, a juventude prende-se a exageradas medidas de protesto deixando os cabelos crescerem e se voltando para ritmos tais, nós na verde Hileia, assistindo, como vítimas, ao insidioso diálogo das mediocridades, divergimos sob protesto discordando com as coisas na forma em que são de propósito impostas. Inconcebível ecoam várias vozes …

Por outra, nós os da geração de Carlos Gomes amadurecemos à custa de crises políticas que se sucedem, e que ao lado de acentuarem aos poucos o sofrimento deste povo, por outra vê o inegável crédito de despertar nesse mesmo povo maior consciência histórica. Sabe-se, a juventude brasileira, quanto a isso, mas sobretudo a geração de Carlos Gomes tem sido o grande liame entre a História e o povo. Resta, tudo o que tem ferido o povo volta-se também assim para a juventude. Há passagens bíblicas a respeito disso, sustentou o discursante Fábio.

Há, a seguir, a contribuição de Arthur Engrácio, no artigo Um Contista Estreante, posto em A Berlinda Literária, a saber dizendo do quanto a obra se trata de um passo avançado na nossa prosa de ficção, traduzindo-se no fato de não estarmos longe de alcançar a maturidade nesse gênero, visto, hoje, como o mais importante de quantos possui a literatura.

Nessa marcha, segue afirmando, verbis: “Carlos Gomes nos chega nessa hora de efervescência literária (ficção) e nos chega bem. Seu livro não mais apresenta aquela feição rigorosamente peculiar aos livros de estréia mas, ao contrário, nos impõe, já, um ar adulto; oferece-nos o aspecto de obra que sofre os últimos retoques de acabamento. Acrescente-se que os contos deste volume denotam uma ampla vivência dos fatos quotidianos; uma arguta observação da psicologia humana, a que se junta uma técnica narrativa das melhores que se encontram em ficcionistas de maior evidência, no Brasil, atualmente”

Em seguida, nessa mesma linha discorre sobre contos estampados no livro, com destaque para “Rosa de Carne”, tendo-o como o mais bem construído da coletânea narrando a passagem de um pai ignorante, visando reprimir gesto negativo do filho, queima a mão com uma moeda em brasa. Resta que o tom trágico e o toque humano profundo são bem presentes neste conto, envolvendo-o por inteiro, causando angústia no leitor diante do martírio do menino.

Era, pois, a rosa de carne doendo na mão do martirizado, com a as pétalas, digamos, apodrecidas e efervesciam se lhes deitassem hipoclorina, daí que gritava de dor quando se punham a tratá-la. A mãe sofria junto com o filho, mas era preciso que a rosa, digamos, voltasse ao botão de onde desabrochara e daí ao nada, salvo deixando na mão a cicatriz de sua passagem.

E assim segue-se a narrativa linear, onde o autor vai muito bem, mas é de se destacar que é na técnica introspectiva, intimista, que se sai melhor como ficcionista, mediante trabalhos sobremodo especiais, a saber: “Vó Hermengarda”, “Reconstrução”, “Assunto Perdido”, além de outros, na verdade.

Sucede, é marcante o senso de procura do autor. É que o contista já não se limita com a velhas fórmulas e padrões, pois segue por outros rumos, pondo-se numa nova técnica, que, fugindo do lugar comum, consegue oferecer-nos uma linguagem apurada e significativamente digamos funcional, bem rica de expressão e inovação estilísticas, onde a metáfora, ganha lugar destacado, vejamos: “Bateu nos bolsos procurando despertar a caixa de fósforos”; “O gato franziu a cara, tirou da maciez as unhas afiadas, deu um tapa na meia claridade de filme velho em preto e branco e se fundiu na escuridão”; “Os olhos de retina escorrida borrando a íris”; “Quando olha, é com tamanha indiferença que a gente se presume ainda mais pequenino e enfermo”: “Mil olhos de raios x penetram a intimidade das minhas células, perscrutam-nas como loucos faróis dentro da noite.”

Por seu turno prega Márcio Souza, em Expressão Amazonense, que o contista revela humor, voltando-se para uma verve irreverente, que é incomum nesta cidade de feitio dramático como Manaus, quando então o seu livro de contos dá conformidade a tal, por isso é o escritor mais bem-vindo. Sucede, sendo contista citadino, parece não se interessar pelos dramas ribeirinhos, o que seria comum, ligados pela tradição extrativista. (Continua). 

É advogado (OAB/AM 436). Contactos: 99982-8544/[email protected]  

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