3 de novembro de 2024

O ônus do bônus – Parte 1

Nos dias que correm, bem se sabe que os ideais de justiça, solidariedade, fidelidade, auto estima e outros do gênero são princípios fragilizados, abandonados mesmo, em favor da ideologia que norteia a cultura do tempo presente, segundo asseguram os doutos que se debruçam sobre a questão, e isso lecionam, como se colhe de variados meios de abordagem em que, a propósito, prega Ledo Ivo, jornalista, escritor de prosa e verso, consagrado autor de tantas obras, como Ninho de Cobras, uma reflexão sem igual, única mesmo, verbis: “Na vida, precisamos sempre usar máscaras, pois ninguém nos reconheceria se nos apresentássemos de rosto nu.”

Cabe esclarecer, tais considerações partem de certo acaso profissional, uma passagem algo divulgado nos corredores do forum e que ali nos chegou ao conhecimento, interessando-nos ainda que de natureza não comum à nossa atividade advocatícia básica. Simples curiosidade, quem sabe a colher próxima participação porque envolvia um empresário nosso cliente. É que embora sobremodo direcionados à consultoria jurídica de empresas, calha dos serviços às vezes atraírem-nos para direções outras do Direito.

Por exemplo, quanto ao caso em circulação, meio que um disse-me-disse, expressão que com perdão nos escapa. Apurou-se tratar-se de um conflito de cunho familiar, prestes a ampliar-se em incontida repercussão, quando do interesse doloroso de conhecido gestor, requerendo então atenção especial, posto que feito não sigiloso. Eis a moldura do quadro.

Foi o que se apurou, introdutoriamente por força de se estudar o hodierno nesse particular – uma duvidosa acusação de adultério em direção à esposa. Confirmada a contratação, busca-se alcançar meios em busca de um desfecho ainda que judicial, mas amigável, alheio a escândalos, contudo sem perder de vista encontrar a razão de ser do suposto descaminho inaudito de um matrimônio estável por décadas e com filhos já quase adultos, segundo apurado.

Irresistível não teorizar que se trata de uma tarefa desafiadora para os procuradores, sem perder de vista a saborosa hipótese de uma reconciliação do casal, uma vez decifradas quem sabe as razões daquele suposto proceder que seria de natureza estarrecedora para a família, todos tomados também por desejar entender o fato ainda em fase de apreciação, não fosse o ofendido pessoa em idade madura mas portando um forte caráter a braços com marcantes desafios até então unicamente profissionais, a quem assessoramos com sucesso. Daí termos sido procurados, em que pese episódio diverso do usual.

A esposa seria sua prima. Casamento acalentado pelas respectivas mães, e tias recíprocas,conquanto ele provindo já de dois divórcios, filhos e idade desproporcional àquela união, desaconselhável,mesmo… Uma causa e tanto, cercada de fabuloso patrimônio econômico! Porque não merecer atenção? Já que esta estação de escritossemanais coloca-se sempre atenta aos fatos do cotidiano, fiel, por exemplo, ao que preconizaIgnácio Loyola Brandão, contista, romancista, jornalista e membro da Academia Brasileira deLetras, na seguinte trilha, verbis: “O cronista é um filtro de tudo o que vemos. Escreve-se para não ser solitário e por sentimentos aos outros. Na falta dessa solidariedade, é bobagem escrever”. Sim, sim.

Junte-se a tal pensar um ideal que se busca na máxima esculpida por Fernando Pessoa poeta, dramaturgo, crítico literário, ensaísta e o mais, um marcante nome da línguaportuguesa e figura central do Modernismo português, a saber: “Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.”

Procurou-se, assim, avançando na investigação, colher subsídios aplicáveis à espécie, onde cabíveis, tais como publicações especializadas, consultoria psicológica, opiniões outras, tudo como vai a seguir desinente do modismo relatado linhas de começo, de forma a dar cumprimento à pesquisa, com toda a aplicação, já se disse decerto em boa parte alheio ao cotidiano profissional mas cercado de especial vontade de noticiar, restando bem advogar. Eis, então, a tela de fundo a compor-se em definitivo com aquela cercadura.

Nessa esteira colheu-seque se mostram doutosque assim ensinam aqueles,três seriam osprincípios novos: o individualismo, o relativismo e o instrumentalismo (O Bônus), a saber:

-“A busca do melhor tipo de vida a se usufruir, é como se traduz o individualismo, entendendo-se como tal o autodesenvolvimento e a auto satisfação, conferindo aos seus sectários a obrigação de almejar a felicidade em detrimento de qualquer compromisso com o entorno social.       

-“Todas as escolhas são importantes, mesmo, é claro, as que deveriam arredar eventuais críticas de observadores, visto que não há um padrão de valor objetivo que nos permita estabelecer uma hierarquia de conduta. Logo, qualquer passo que leve o personagem a atingir a auto satisfação é válido e não pode ser questionado, tudo como prega o relativismo.”

– “Por fim, o instrumentalismo sustenta que o valor de qualquer coisa ou pessoa, longe dos padrões geralmente conservadores, somente interessa a quem escolhe, posto que tudo se resume no que a ação possa oferecer de satisfação a si, o optante.” (Continua).

Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]

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