O artigo apresenta uma reflexão Aristostélica do modo operandis do Governo Bolsonaro.
Ao longo da existência humana, várias escolas deixaram legado sobre a ética e a moral: o relativismo dos sofistas (não há normas universais); os fundamentos socráticos de que a moral está na razão da alma humana; os platônicos que dividiram o corpo (paixões) e a alma (busca do bem), sendo necessário a pólis para que um bom cidadão possa alcançar o bem de forma ética; os estoicos ao dissociar o homem da sociedade, pensavam na ética como um autocontrole individual com aceitação em relação ao que acontece e como noção de amor ao destino. A reflexão sobre o assunto consumiria mais de 100 artigos como este, passando por Aristóteles, chegando a Kant, Marx, Kierkegaard, etc… porém focarei em alguns pontos da reflexão Aristostélica por conta da simplicidade e profundidade com que ele abordou os temas.
Para Aristóteles, todo conhecimento e trabalho visa a algum bem comum, o bem é a finalidade de toda a ação, sendo que a busca do bem é o que diferencia a ação humana dos demais animais, para ele, estudamos a ética para melhorar nossas vidas, visando o bem-estar humano.
Gosto de Aristóteles porque sua preocupação com a ética, assim como Platão, estava focada no coletivo, tentando relacionar o homem com a vida da pólis, abandonando o dualismo platônico do corpo alma. Segundo este filósofo, ética e política não deveriam ser pensadas de forma separada, pois enquanto a ética busca o bem-estar individual, a política busca o bem comum.
Aristóteles defendia a tese de que o exagero cria conflitos com outros indivíduos ou com a sociedade, afetando nosso caráter e prejudicando a imagem do homem social, razão pela qual criou a doutrina do justo meio, onde a virtude intermedia os pontos extremos, os vícios ou defeitos de caráter. Em outras palavras, o homem faz parte da cidade e sua felicidade depende da felicidade da cidade, para ser feliz deve exercitar a cidadania, buscando a excelência (Aretê), por meio da prática da virtude intelectual na ação para agir de forma equilibrada.
Algumas características das pessoas que buscam a doutrina do meio termo são: coragem, temperança, liberalidade, magnificência, respeito próprio, prudência, gentileza, veracidade, amizade, modéstia e justa indignação. Por outro lado, há os vícios por deficiência (VD) e os por excesso (VE), como por exemplo: para coragem, o VD seria covardia e o VE seria temeridade, para gentileza, o VD seria indiferença e o VE seria irascibilidade, para veracidade o VD seria descrédito próprio e VE o orgulho.
Se concebermos que a ética é a prática do bem e a moral é o obedecimento das normas, no campo do comportamento individual as recomendações de Aristóteles deveriam ser consideradas por profissionais que lidam com o bem-estar público da população, especialmente os políticos, pois eles são eleitos para representar uma parcela do povo.
Trazendo parte dessa teoria aristotélica para nossa realidade atual, uma fatia da população se espelha no comportamento de nossos políticos, o que dizer então das mensagens que o povo brasileiro recebe quando fica sabendo de escândalos políticos, do mau uso do cargo ou do dinheiro público para benefício próprio do eleito ou de seus familiares ou de aliados? o que dizer do cidadão que se diz indignado com certa doze de razão com algumas das decisões do STF, mas que fura fila em banco ou que fecha os olhos para as decisões praticadas por vícios de deficiência ou de excesso daquele que ele ou ela ajudou a eleger?
Muito embora encontremos pessoas que se esforcem para ter uma vida digna, virtuosa, estilo do justo termo, aqui e ali testemunhamos gente praticando o famoso jeitinho brasileiro, atitude individualista que age em detrimento do interesse do outro ou da coletividade.
Quando se pensa na grande pólis (governo federal), ao analisar o modo operandis do governo bolsonaro, pode-se observar as atitudes do capitão com seus generais, pastores e demais ministros, comparando as promessas com as ações:
1o) Promessas do Programa “Deus acima de todos”
1a) Propomos um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal. Um governo sem toma lá-dá-cá, sem acordos espúrios;
1b) Devemos ser fraternos! Ter compaixão com o próximo. Precisamos construir uma sociedade que estenda a mão aos que caírem;
1c) Segurança, Saúde e Educação são nossas prioridades. Tolerância ZERO com o crime, com a corrupção e com os privilégios;
1d) O Brasil passará por uma rápida transformação cultural, onde a impunidade, a corrupção, o crime, a “vantagem”, a esperteza, deixarão de ser aceitos como parte de nossa identidade nacional, POIS NÃO MAIS ENCONTRARÃO GUARIDA NO GOVERNO.
1e) A Justiça poderá seguir seu rumo sem interferências políticas e isso deverá acelerar as punições aos culpados.
1f) Transparência e Combate à Corrupção são metas inegociáveis.
2) Ações adotadas ao longo do “Deus acima de todos”
2.a) governo indecente, com loteamento desenfreado das pastas do governo, com evangélicos e militares se abraçando com políticos do centrão, réus ou condenados nos últimos anos. O toma lá-dá-cá vem desde jan/19 com agentes do DEM/MDB e apenas foi intensificado com outras siglas em 2020 por conta da perda de apoio no congresso e avanço das investigações contra familiares do presidente e aliados;
2b) governo perverso, há completo descontrole da covid19 no país, em pouco tempo subimos para o 2o lugar no planeta em termos de total de doentes, e estamos entre os 4 piores em termos de casos fatais, até hoje, o presidente tem adotado atitude de indiferença com as famílias dos falecidos, agindo de forma temerária, colocando a vida das pessoas em risco e não obedecendo as diretrizes da OMS. Sem contar as tentativas dos pastores evangélicos (Universal, Assembleia de Deus, Pentecostais, etc) para manter as igrejas abertas, bem como a maquiagem e a baixa transparência adotada pelos militares que gerenciam o Ministério da Saúde;
2c) governo vulgar, com excesso de brigas, pernadas, ameaças, distrações, fake-news, bastando analisar o conteúdo do vídeo da reunião do dia 22/04/20 para entender como são improdutivos e vulgares em uma reunião com pauta que deveria ter sido focada na recuperação do país após a pandemia;
Finalmente, deixo para o leitor a reflexão intelectual sobre a promessa e a realidade. Em tempos de lava jato, Aristóteles nos ensina que é prudente que cada um se conscientize do benefício da busca da excelência, agindo de acordo com as normas e buscando a prática do bem, pois a virtude transforma as pessoas, seus propósitos, relações pessoais e meio ambiente. Oxalá, um dia tenhamos governantes inspiradores que liderem pelo bom exemplo, pois parafraseando Aristóteles “é próprio do homem bom pôr em prática o bem”.
*Prof. Dr. Jonas G. da Silva – Prof. da Eng. de Produção da UFAM. Atualmente, pesquisador visitante do Instituto de Pesquisa em Inovação da Escola de Negócios da Universidade de Manchester (RU). E-mail: [email protected]