11 de dezembro de 2024

Mineração de ouro em pequena escala é possível? 

Enquanto garimpo representar ausência de pesquisa mineral, por maior que seja a causa social envolvida, só poderemos cunhar Mape (mineração artesanal de pequena escala) a partir do investimento básico em levantamento geológico, monitoramento ambiental e extensão mineral. Penso assim tendo por base situações espalhadas pelo Brasil ao longo do tempo, como a mais recente, na região da província aurífera do Tapajós que, segundo dados do ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico) da BR-163, reunia, no local, população superior a 100 mil garimpeiros.

A insustentabilidade do garimpo é imposta pela lavra anterior ao reconhecimento, pela sorte ao invés da engenharia, pelo oportunismo em detrimento ao plano de lavra, pela ausência de governança e do Ministério de Minas e Energia.

Coube à Constituição Federal materializar a figura do coletivo destes trabalhadores em seu artigo 174, parágrafo 3º: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado […], favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”. 

Ao minerador artesanal cabe ainda o seguro da aposentadoria, quando, no artigo 201, lê-se, no parágrafo 7º, inciso II,: “[…] é assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições […] sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Grifo meu).

Ao desrespeitar sua carta régia, o Estado e a sociedade expõem cidadãos brasileiros à marginalidade de um sistema frágil, cada vez mais corroído. Considerando que a guerra dos outros aquece o preço da ganância planetária, o valor do grama do ouro, acima de R$ 300, favorece o sonho de se “bamburrar”, como aquele que se joga, semana e legalmente, no acumulado da Casa Lotérica.

Nesse jogo onde o Estado, inerte, diz que atua e a sociedade, passiva, aceita calada, vemos o filme amazônico do eldorado sem mocinhos, sem vitoriosos, doentio pelo desmatamento, poluição dos rios e contaminação das pessoas… 

Sem monitoramento ambiental na Amazônia, em quem pode-se confiar? Nas manchetes oportunistas que nos posicionam incompetentes no cuidado com a Amazônia? Nos discursos desenvolvimentistas que, entre tantas fantasias, vendem o eldorado aos tolos? Nos preservacionistas das praias do Leblon?

Como pesquisador da Universidade do Estado do Amazonas, no Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia, acreditamos no aporte da Ciência básica e aplicada à relação vital Homem-Floresta-Água. 

Infelizmente, a partir dos atuais investimentos em Ciência e Tecnologia na Amazônia, fica o registro que, ainda, desconsideramos a Amazônia como nosso laboratório vivo. 

Seus indicadores naturais, que representam 60% do território nacional, permanecem desconhecidos, muito distantes de uma base industrial, ou comercial… E, nossas autoridades, no samba de uma nota só –a tributária -, reforçam a ausência de uma política pública responsável à Amazônia, aquela que dedicaria o cuidado aos poucos e distantes brasileiros…

Caberá ao Brasil e a sua população absorver suas patologias e respeitar as leis que nos regem. Afinal, as regras foram feitas com muito embate, confronto e inteligência. Antes de apontar culpados, talvez seja hora de reconhecermos, enquanto brasileiros, quem são os verdadeiros criminosos. Chega de graças e desgraça!

Recomendo a leitura de dois documentos recentes sobre o tema da produção ilegal de ouro na Amazônia: 1) GUIA PARA ENFRENTAMENTO DE CRIMES AMBIENTAIS – Lições do combate à mineração ilegal de ouro na Amazônia, do Instituto Igarapé em parceria com a INTERPOL (dezembro de 2021); e, 2) MINERAÇÃO ILEGAL DE OURO NA AMAZÔNIA: MARCOS JURÍDICOS E QUESTÕES CONTROVERSAS (2020), um excelente trabalho da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – MPF.

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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