Explorar a arte, o espírito e a ciência da diplomacia desenvolvida por José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, resumidamente num artigo, não é tarefa fácil; e o risco de se cair em incompreensões, equívocos e arbitrariedades é altíssimo. Afinal, a obra diplomática do Barão foi a combinação de um esforço individual, de um homem proveniente da elite do Estado brasileiro, bem como um esforço institucional no contexto de legitimação do state-building republicano do início do conturbado século 20.
O Barão foi o diplomata responsável pela ampliação, consolidação e definição das bases territoriais do Brasil, o que de fato contribuiu para marcar a identidade da política exterior e da nacionalidade. O empreendimento do Barão fixou terminantemente as fronteiras do Brasil com a França na Questão do Oiapoque, com a Argentina na Questão de Palmas e com a Bolívia na Questão do Acre, esta referendada no famoso Tratado de Petrópolis. A inteligência diplomática do Barão obviamente não é fruto do acaso, mas dos seus relacionamentos familiares –visconde do Rio Branco, seu pai, foi líder do partido conservador e chefe de governo do Império –, e de seus estudos sobre a formação territorial do Brasil. O Barão estudou com dedicação os mecanismos de expansão das nossas fronteiras e o modo como Alexandre de Gusmão negociou em nome dos interesses de Portugal o Tratado de Madri com a Espanha.
Fator do êxito do paradigma de Rio Branco acerca da política exterior brasileira está consagrado na sua visão privilegiada como filho da elite imperial e da sua caminhada pelo mundo como um dândi cosmopolita. A sua percepção dos desafios permanentes da inserção internacional do Brasil é a de um estadista do Império no universo republicano. É a partir dessa percepção estratégica da realidade regional e internacional que o Barão desloca os interesses da nação para os países da Região do Prata. O gérmen da integração regional, materializada décadas depois no Mercosul e outros mecanismos de integração regional, está, portanto, na sua proposta de pacto ABC (Argentina-Brasil-Chile).
A defesa do entorno estratégico, a prática da política de boa vizinhança com os países do Cone Sul e uma possível abertura para o pacífico via parceria com o Chile foram passos dados pela diplomacia riobranquina. Tamanho otimismo fez com que o Barão dissesse “que, antes de meio século, quatro ou cinco, pelo menos, das maiores nações da América Latina, por nobre emulação, cheguem, como a nossa querida irmã do norte, a competir em recursos com os mais poderosos Estados do mundo”.
Um traço característico da identidade nacional brasileira é a sua capacidade de manutenção pacífica do gigantesco espaço territorial. O poético “Gigante pela própria natureza” do Hino Nacional ou o monster country (ao lado de nações como EUA, Índia, Rússia, China) identificado pelo embaixador norte-americano George Kennan traduzem, à sua maneira, a vocação continental e atlanticista do Brasil. Diferente de outras nações, que expandiram suas fronteiras via intervenção armada, o Brasil adotou um modo mais pacífico e cordial de resolver os seus litígios lindeiros. Foi prática comum, por séculos, o emprego do uti possidetis e das fronteiras naturais para definição do que pertence ou não ao país. Os dois métodos, uma vez combinados, permitiram ao Brasil negociar amistosamente as suas fronteiras. Um feito e tanto que precisa ser lembrado e celebrado.
O Barão soube entender como poucos a transição de poder na ordem internacional. As potências europeias do começo do século 20 estabeleciam relações assimétricas de poder e se colocavam como ameaças potenciais ao Brasil e aos outros países da região. O Brasil era o único país sul-americano limítrofe a três potências europeias, duas das quais exemplos do agressivo imperialismo, o Reino Unido e a França. Emergência dos Estados Unidos como potência global –transferência do poder hegemônico de Londres para Washington –representou uma virada de chave importante no eixo estratégico da política exterior brasileira. Ecos de uma diplomacia consciente da fraqueza militar e necessitada de aliados poderosos conduzem a diplomacia nacional a buscar exatamente uma aliança com os Estados Unidos. Tal desígnio se realizaria em dois momentos decisivos: a abertura da embaixada brasileira em Washington chefiada por Joaquim Nabuco e a promoção da 3ª Conferência Interamericana no Rio de Janeiro que daria, décadas depois, origem à OEA (Organização dos Estados Americanos).
O americanismo do barão do Rio Branco tornara-se um divisor de águas e marcou decisivamente o caminho diplomático do Brasil. Tratou-se, é claro, de um americanismo lúcido, e pouco histriônico; pragmático, e não naïve; realista, e jamais idealista. A diplomacia do Barão foi pensada, isto sim, para um Brasil pacífico, amante do direito internacional e moderado; que pudesse combinar o seu poder brando e inteligente –sem o emprego de artifícios radicais e militaristas. A pena de Gilberto Freyre capturou com perfeição o espírito do patrono da diplomacia brasileira: “Rio Branco tinha uma popularidade extraordinária; era o próprio Brasil”.