27 de julho de 2024
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Mídia, política e representação – parte 1

A referência básica de toda discussão a propósito da relação entre mídia e política ou, em um caso especial, entre formas de comunicação de massa e poliarquia (a democracia possível), e de como a primeira – e neste caso, refiro-me à complexidade do conceito de “mídia” – tornou-se o quarto poder, portanto, uma instituição da política.

A partir deste ponto de partida elementar, os media como instituição da política tem provocado uma série de debates importantes no sentido de iniciarmos um exame acerca da forma como a democracia representativa se apropria do quarto poder.

A importância da mídia (dimensão institucional, i.e., das regras do jogo) e dos media (dimensão individual ou organizacional, i.e., dos jogadores em interação estratégica) para a compreensão da complexidade da sociedade poliárquica tem ganhado força ao longo dos anos. O que os novos media colocam em questão é a necessidade de se construir lógicas interativas que possam associar a evolução científico-tecnológica materializada, por um lado, nas formas de comunicação de massa que incorporam positivamente um número elevado de cidadãos e, por outro, a estratégia política da sobrevivência sob a égide da competição eleitoral (neste caso, a mídia combinada a representação proporcional com lista aberta representam um reforço adicional a forte conexão eleitoral no Brasil).

O desdobramento prático dessa nova agenda tem como princípio situar a mídia na conveniência poliárquica e tentar perceber de que forma tais instituições impactam na construção e aperfeiçoamento de uma sociedade democrática.

Para esta discussão inicial, o ponto de partida está na teoria poliárquica desenvolvida originalmente pelo cientista político Robert Dahl. Em uma crítica à teoria populista e à teoria madisoniana da democracia, Dahl observa que as sociedades poliárquicas passam necessariamente por diferentes processos de liberalização política, inclusão populacional e democratização das regras do jogo: isso pode ser conceitualmente representado pela passagem de hegemonias fechadas ou hegemonias inclusivas para oligarquias competitivas até, finalmente, se chegar aos modelos poliárquicos.

Para Robert Dahl, “as poliarquias podem ser pensadas então como regimes relativamente (mais incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública”. Trata-se de uma visão realista da democracia, o que faz com que a teoria da poliarquia se enquadre em um tipo de teoria econômica da democracia (ênfase na competição entre os atores politicamente relevantes na produção de resultados de satisfação pública)

Entenda-se, portanto, a existência da poliarquia como a democracia possível a partir das seguintes características: 1) liberdade de firmar e aderir a organizações de todo tipo; 2) liberdade de expressão e difusão de ideias e valores; 3) direito de voto universal, secreto e sem diferenciação; 4) elegibilidade para todos os cargos públicos; 5) direito de líderes políticos de disputarem apoio e votos de seus apoiadores e simpatizantes; 6) fontes alternativas de informação; 7) eleições livres e idôneas para cargos públicos; e 8) instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferências dos cidadãos.

Em outros termos: as oito condições necessárias para o funcionamento ótimo da poliarquia representam sofisticados mecanismos de mediação entre o público e privado (arena social), entre firmas e consumidores (arena econômica), entre os governantes e os governados (arena política).

O eixo das dimensões teóricas da democratização dahlsiana oferta, em certa medida, apenas dois níveis de satisfação tipicamente poliárquica: a institucionalização da competição política e a extensão do universo de participação, ou megaconversão de cidadãos dispersos em eleitores.

Não dissentindo dos fundamentos teóricos de Dahl, mas tentando ampliar os limites e os horizontes da satisfação poliárquica, Wanderley Guilherme dos Santos introduz mais um eixo a face caracteristicamente dual da poliarquia dahlsiana: trata-se do eixo representativo da elegibilidade, ou seja, dos mecanismos de controle.

Por definição, a elegibilidade está relacionada à possibilidade de se criar cidadãos elegíveis, os que podem votar, conforme a identidade do eixo participação; mas o que é essencial neste caso, é a possibilidade de ser votado, de ser eleito e, por conseguinte, de participar.

Em outras palavras, pode-se entender o eixo da elegibilidade como a terceira dimensão teórica da democratização, e responde pela possibilidade de quem pode ser eleito e para qual cargo público. Assim, o eixo da elegibilidade quer deixar claro que em uma sociedade poliárquica nenhum cidadão pode ser excluído (estratificação por renda, por sexo, por profissão ou ocupação, por cor etc.). E que o único constrangimento é o de faixa etária.

A inclusão do eixo controle – elegibilidade em sentido forte – tem um propósito claro: “a variação entre países nos quesitos para participar eleitoralmente como eleitor e como candidato difere consideravelmente, sendo os dois sentidos de ‘elegibilidade’, mesmo nacionalmente, assimétricos e independentes”. A partir dessa assertiva, pode-se concluir que: “um país pode progredir bastante ao longo dos eixos participação e institucionalização e manter-se atrasado no que respeita ao controle”.

A ampliação do direito de votar e de ser votado, conforme a expansão dos direitos políticos elementares, o processo de megaconversão eleitoral ou de alargamento do eixo controle (formação de cidadãos aptos a exercer o direito de votar e de ser votado) impacta fortemente na importância da mídia e dos media na estruturação e funcionalidade de uma sociedade poliárquica. As mídias passam a imprimir e elevar o ritmo da competição político-eleitoral informando aos candidatos e eleitores quais são as melhores preferências, estratégias e escolhas a serem tomadas pelos jogadores.

Não é por acaso que Bernard Manin observa que a consolidação da democracia do público se deve principalmente a presença da mídia e de um eleitor mediano que acompanha as sazonalidades do mercado eleitoral, tendo em vista, portanto, a possibilidade o exercício do voto retrospectivo ou prospectivo. Os media conseguem criar redes de comunicação e de informação propiciando ações de transação de conflito e cooperação entre os atores.

*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político

Fonte: Breno Rodrigo

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