Em sua mais recente visita ao Estado do Amazonas, a sétima de seu mandato, o presidente da República Jair Bolsonaro, segundo informado, veio com o intuito e efetivamente participou da agora já bastante conhecida Marcha para Jesus, evento que reúne tradicionalmente a comunidade evangélica em prol da defesa de valores e princípios cristãos, além de ser uma oportunidade de apresentar a sociedade a densidade deste particular grupo em torno de seus ideais.
Antecipo ao leitor que neste pequeno esboço não adentro nos meandros eleitorais, religiosos ou mesmo do acirrado debate acerca dos reais objetivos do nobre visitante a nossa capital, mas sim em vista do que foi feito e principalmente dito pelo presidente de nossa República acerca daquilo que nos é mais caro e no momento centro de preocupações de todos os amazônidas, falo uma vez mais da Zona Franca.
Eu sei, nesta altura dos acontecimentos o tema parece que está por assim dizer “esfriando”e é justamente para trazer novamente o calor necessário ao debate que se faz imperioso não o deixar tão cedo, relembrar que até o momento não temos saída institucional para o imbróglio criado na edição dos decretos presidenciais de diminuição de Imposto sobre Produtos Industrializados, afetando diretamente as vantagens comparativas de nossa região.
Pois bem, voltemos aos fatos, de acordo com o noticiado por todos os periódicos locais e nacionais, o presidente não incluiu em seu roteiro nenhuma visita ou assunto relacionado a Zona Franca de Manaus, a despeito das expectativas de políticos, da população e até mesmo de alguns setores do próprio governo, nada foi feito no sentido de efetivamente incluir esta pauta em sua visita.
A despeito disto, o imponderável sempre acontece, e quem sabe devido às manifestações públicas em defesa de nosso modelo econômico presentes no trajeto da comitiva presidencial o presidente em seu discurso aos participantes do encontro, já no Sambódromo, proferiu a seguinte afirmação:
“E tenham certeza: assim como lá atrás, a Zona Franca nasceu com o general Castelo Branco para Costa e Silva, essa área será preservada. A Zona Franca de Manaus jamais será atingida por esse governo. Esse governo reduz impostos em todo Brasil, e a redução de impostos é benéfica para todo o país. Ninguém perderá nada aqui reduzindo imposto, como, por exemplo, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Eu nunca vi um país crescer aumentando ou criando novos impostos. A Zona Franca, a região do Amazonas tem um potencial enorme”.
Diante desta afirmação e à luz dos fatos, resta-nos fazer uma análise, ainda que superficial do discurso do presidente com relação a ZFM usando como parâmetro a nossa Constituição.
Disse o Presidente que “esta área será preservada”, bom por comando Constitucional a região amazônica (e não somente ela) faz parte do patrimônio ambiental de nosso país, assim sendo há imperativos que proíbem de todas as maneiras a sua devastação, pelo contrário determinam expressamente a preservação.
“A Zona Franca de Manaus jamais será atingida por esse governo. Esse governo reduz impostos em todo Brasil, e a redução de impostos é benéfica para todo o país”. Muito bem, a redução de impostos em todo país embora possa parecer em um momento primeiro benéfica para todos, ao contrário traz em si por vezes demasiada carga para Estados não tão desenvolvidos ou em ritmo de desenvolvimento mais tardio em comparação com outros do mesmo país, em razão disto foi inclusive pensada a ZFM, para nivelar os pratos da balança, expressão constitucional de isonomia e tratamento devido à região que necessita de incentivos para se desenvolver.
Sob o ponto de vista econômico tampouco podemos afirmar que “a ZFM jamais será atingida por esse governo“, a despeito de suas intenções, as medidas tomadas pela Presidência com os Decretos de redução de IPI não direcionados explícita e diretamente ao modelo econômico de nosso Estado vem sim causando impacto em nossa matriz econômica, modelo ZFM sobrevive à base de incentivos, sem estes fica inviável termos o desenvolvimento regional almejado pelos seus idealizadores, conquanto os incentivos não tenham sido diretamente atacados, o reflexo econômico é nítido, potencial saída de indústrias do polo manauara é quem sabe o indicador mais visível, mas não único desta realidade.
“Ninguém perderá nada aqui reduzindo imposto, como, por exemplo, o IPI”. Bem, o Imposto sobre Produtos Industrializados é uma espécie de tributo cujo objetivo não é pura e simplesmente a arrecadação de dinheiro aos cofres públicos, é também instrumento de política fiscal, adequando-o às necessidades do Estado brasileiro para fomentar a produção ou o consumo, o efeito dito parafiscal, podendo ser majorado ou diminuindo conforme a necessidade econômica, exemplo disto foi a redução do IPI para o setor automobilístico em 2013-2014 para incentivar a produção de automóveis, situação esta que levou ao boom de consumo e redução do mercado de seminovos e usados.
Diferente do que possa parecer a frase “eu nunca vi um país crescer aumentando ou criando novos impostos” também não se sustenta ao olhar mais apurado, novamente, a tributação serve de instrumento para que o Estado possa atingir os seus objetivos, o que em qualquer nação minimamente republicana é o chamado bem-comum, acerca disto vide o que nesta quadra história ocorre com os Estados Unidos, de acordo com o noticiado, o orçamento apresentado pelo governo Biden ao Congresso prevê um aumento na alíquota de imposto sobre as empresas de 28%, revertendo a legislação aprovada no governo Trump que a reduziu para 21%, além disto, para fazer frente aos desafios de maior desenvolvimento já se cogita inclusive a criação do imposto sobre grandes fortunas, existente em nossa legislação e nunca implementado.
Ao fim e ao cabo temos “A Zona Franca, a região do Amazonas tem um potencial enorme”, verdade, neste ponto temos que concordar, economistas, juristas, internacionalistas, ambientalistas, militares, civis, enfim todos acordam que o Amazonas é um potencial sem tamanho, por todos os vieses, contudo a marcha adequada para tanto é a da observância aos predicados constitucionais, desobedecer o que diz a Constituição nunca foi, em qualquer nação, garantia de avanço, em nosso caso a Carta constitucional prevê expressamente a necessidade de tratamento adequado às realidades regionais em vista da proteção, segurança nacional e desenvolvimento, afastar-se desta realidade é não somente flagrante desrespeito ao texto como todo um povo, não somente amazônico, mas de todo Brasil.