11 de dezembro de 2024

Fratura exposta

Divulgação

O desembarque do ministro Sérgio Moro da nau do governo representou um duro baque no projeto bolsonarista. Moro não era um ministro qualquer. Ele era um quadro técnico, estrategista habilidoso e um símbolo na luta contra a corrupção no país. Trouxe para o governo a experiência de ter enfrentado a elite corrupta da política e do empresariado. Por tudo que fez, tornou-se herói nacional e líder do lavajatismo. Em outras palavras, Moro era um ativo político e uma peça fundamental no tabuleiro político do bolsonarismo.

A dramaticidade da saída de Moro certamente traça um antes e um depois na história do governo Bolsonaro. Ao contrário dos outros ministros exonerados e atacados pelas milícias virtuais especializadas em assassinato de reputações, Moro caiu atirando e colocou o presidente na sua alça de mira. As acusações do ministro tinham como ponto principal a tentativa de ingerência presidencial na autonomia da Polícia Federal, o que poderiam colocar em xeque a lisura das operações e o enfrentamento da criminalidade e da corrupção sistêmica.

Um fato importante e que não poder ser encarado como mera coincidência ou algo trivial é que a saída de Moro se deu exatamente no processo de aproximação de Bolsonaro com os interesses mais fisiológicos do “centrão”. Para além da convencional distribuição dos cargos da administração para obtenção da uma ampla base de apoio parlamentar no Congresso Federal, Bolsonaro dobrou a aposta ao colocar o ex-deputado Roberto Jefferson (um legionário especialista em gerenciar e causar crises governamentais) no seu círculo íntimo.

A guinada pragmática vem num momento em que a popularidade do presidente despenca vis-à-vis a incapacidade de liderar e gerenciar a pandemia causada pelo vírus chinês. A fritura e demissão do ministro Mandetta, as guerras ocultas com o DEM, o forte protagonismo dos governos estaduais e a crescente judicialização da política de saúde pública via STF, isolaram ainda mais o presidente e o tornaram refém de suas próprias circunstâncias.

A aposta tardia no presidencialismo de coalizão pode ter um custo muito alto. A chance de se criar um aparato presidencial à margem dos interesses congressuais foi primeiramente ensaiada por Lula na primeira metade do seu primeiro mandato. Um governo puro-sangue, com partidos de esquerda e aliados estratégicos do centro político, garantiu substantivas vitórias nas votações legislativas graças a um sofisticado esquema de pagamentos mensais (o “mensalão”) a deputados que vendiam seus votos.

Depois de uma longa luta e muitas reviravoltas, Lula deu o sinal positivo e montou uma mega-coalizão de governo com partidos das mais diferentes colorações ideológicas. Sim, a sua governabilidade foi garantida e possibilitou até a eleição de sua apadrinhada política.

Bolsonaro também tentou descartar os parlamentares de uma coalizão convencional. O seu estratagema inicial parecia lógico e certeiro: os laços da grande aliança governista iriam ser firmados com as bancadas parlamentares (agro-negócio, segurança pública, evangélica, entre outras), não com os partidos. O cálculo era arriscado e precisaria contar, antes de tudo, com um sistema colaborativo, uma vez que a organização do poder legislativo existe por causa da ampla rigidez regimental dos partidos no colégio de líderes.

Desse modo, os novos aliados do bolsonarismo – os políticos tradicionais do centrão – cobraram e receberam como premiação: cargos na administração federal e a cabeça de Sérgio Moro.           

A queda de Moro representa também a saída dos lavajatistas do governo. Com Moro vai parte da credibilidade nacional e internacional depositada no juiz da Lava-Jato que fazia parte de um governo pouco confiável, bem como parcela significativa do eleitorado de classe média ainda reticente à retórica autoritária utilizada pelo capitão-deputado no passado.

As sucessivas quedas ministeriais demonstram insegurança e pouca capacidade de resolver problemas internos. Choques intra-governamentais tomam as manchetes diariamente; e aquilo que poderia ser resolvido com celeridade e acordos mútuos entre os membros do governo avançam em direção ao abismo como numa guerra fratricida. Eis o retrato de uma fratura exposta. Temos agora um governo Bolsonaro 2.0: mais forte no legislativo, porém menos responsivo para com a sociedade. Como já dizia o velho querido amigo Benzion Rudnitzki: “uma escolha e uma renúncia”.

*Breno Rodrigo é cientista político

Fonte: Breno Rodrigo

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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