11 de dezembro de 2024

Coleta de dados empíricos

Monitoramento

A ciência pode ser considerada uma arte; e os cientistas, grandes artistas. A razão disso é que ela nada mais é do que uma forma de explicar os fatos e fenômenos do mundo, da realidade. As outras formas são a religião, o senso comum, a filosofia e os mitos, dentre outras, naturalmente. A diferença entre as outras formas e a ciência é o uso do método científico. Isso não quer dizer que as outras formas não tenham um método. Se tiverem, eles apenas não são o mesmo que a ciência usa. Para usar o método, os cientistas arquitetam a acoplagem de um fenômeno a outro ou fazem a vinculação de um de seus elementos internos com os demais elementos, também internos, conhecidos. É uma coisa meio esquisita, mas é mais ou menos isso o que eles fazem. Na prática, eles primeiro ensaiam uma explicação da realidade através da vinculação de um fenômeno com outro; depois, fazem o teste prático, para ver se a explicação se sustenta. Se se sustentar, tem-se conhecimento científico; se não se sustentar, também! Vejamos isso de perto, para que se possa entender o porquê dos estudos empíricos.

Para que pudessem criar uma vacina para a covid19, os primeiros estudos científicos tiveram como finalidade identificar o causador da doença. Descobriram que era um tipo de SARS-COV2. Depois procuraram conhecer seus componentes e como eles funcionavam. Em seguida, o desafio foi entender como ele age no corpo humano. E assim os estudos foram se ampliando e aprofundando até que surgiram as vacinas. O vírus é um fenômeno, é algo que existe e que pode ser entendido. Sabemos que o causador da covid é um vírus porque ele se enquadra na definição de vírus aceita atualmente. Mas ele é diferente de outros vírus porque alguns de seus componentes (que chamamos de dimensão analítica) agem de forma diferentes de outros. Consequentemente, os resultados que provoca no corpo humano também são diferentes de sua família viral.

O que queremos mostrar com isso é que os cientistas criam primeiro uma explicação provisória para aquilo que veem ou percebem. Essa primeira explicação é chamada também de hipótese e representa um ensaio do que provavelmente pode estar acontecendo. Assim, o que acontece na realidade pode despertar a curiosidade científica, pode dar origem a um estudo científico, como foi o caso da covid. Mas pode acontecer também, e parece ser o procedimento mais comum, de a motivação científica ser decorrente da constatação de alguma falha ou lacuna em determinada teoria (como a teoria da gravitação universal) ou campo teórico (como é o caso dos estudos sobre as estratégias organizacionais).

No caso da motivação ser originária da realidade prática, a mente dos cientistas procura enquadrar aquilo que eles estão vendo ou percebendo a um ou mais esquemas explicativos que eles conhecem. Esses esquemas explicativos são originários de constatações práticas, muitas e muitas vezes demonstradas, de que a realidade funciona daquela forma. Esses esquemas explicativos são chamados de teorias. Cada explicação é uma teoria. E uma teoria nada mais é do que uma explicação de como a realidade funciona de fato, de verdade e que pode ser demonstrada. Nada a ver, portanto, com abstração, sonho ou ilusão, como o senso comum imagina. No caso da motivação ser originária da própria teoria, a mente dos cientistas raciocina de forma inversa. Eles procuram “imaginar” como a realidade de fato funciona e a partir dessa imaginação constroem, em forma de ensaio, o preenchimento da lacuna que encontram na teoria. Novamente aqui são formuladas hipóteses, explicações provisórias sobre o funcionamento da realidade.

Em ambos os casos, contudo, é preciso testar a explicação para ver se ela funciona na prática. É o que os cientistas chamam de testes de hipóteses. Testar uma hipótese nada mais é do que aferir o quão próxima da realidade é aquela explicação que foi ensaiada, formulada, imaginada. Sem o teste efetivo da hipótese não se pode considerar nenhuma explicação como científica. A razão disso é que o método científico exige o teste das explicações provisórias, de maneira que os três requisitos das explicações científicas se cumpram: o que está acontecendo, por que isso acontece e como isso acontece. E não pode haver teste de hipóteses sem que dados da realidade sejam coletados. Quando falam em coleta de dados empíricos, os cientistas estão falando em obter dados da realidade para que se possa ver se ela se comporta do jeito que foi imaginado em forma de hipótese.

A grande constatação, portanto, é que sem dados reais, sem dados empíricos, não há ciência. E para que os dados possam ser trabalhados de forma aceitável (tecnicamente chamado de validade), é necessário que sigam os procedimentos exigidos pelo método científico. E isso é regra para todo e qualquer tipo de pretensão de explicação científica: tem que manusear dados da realidade, dados empíricos. E isso vale também para os estudos de natureza bibliográfica. Eles também precisam cumprir as regras da ciência para que possam ser considerados válidos. Nada, portanto, de se coletar algumas belas frases e tentar organizá-las para forçá-las a mostrar algo que não existe fora da cabeça de quem escreve o texto. Isso quer dizer, então, que até os ensaios teóricos, os famosos “artigos de revisão”, precisam passar pelo planejamento da pesquisa, o que implica no uso de pelo menos um método bibliométrico. O método científico-tecnológico cumpre essa obrigação.

A coleta dos dados empíricos apresenta um encadeamento lógico comum a todo tipo de investigação científica. É preciso conhecer cada uma das etapas e das exigências básicas, para que os procedimentos possam ser validados e os resultados, aceitos. Essas regras dão conta dos tipos de dados, os diferentes instrumentos e estratégias de coleta de dados, as inúmeras formas de organização e análise dos dados, assim como as formas mais adequadas de interpretar os resultados. É esse universo que será visto mais adiante.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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