12 de dezembro de 2024

A Casa Sete – Parte 1

No início, a Casa era modesta. Uma casinha toda branca com janelas de madeira, envernizadas. Telhado vermelho. Um jardinzinho na frente e um quintalzinho atrás. No jardim, mamãe cultivava as suas plantas e suas flores. No quintal, ficavam as tralhas que não podiam ser guardadas dentro de casa. Havia um camburão sempre cheio d´água da chuva, que escorria do telhado por uma bica que papai fabricou. Era para suprir as necessidades domésticas quando faltava água corrente. E isso acontecia com frequência! Houve uma época em que o quintal até abrigou uma criação de coelhos de nosso irmão caçula. Foi lá que algum espírito malfazejo jogou o veneno que matou nosso pastor alemão, o Buck, lindo cão que não fazia mal a ninguém. Só latia quando estranhos se aproximavam da Casa. 

Era quase pequena, a Casa, para a grande família mais os agregados. Compartilhar era um princípio quase sagrado na família. O quarto dos meninos, o quarto das meninas. O quarto da mamãe e do papai. O único cômodo com ar condicionado, onde nas noites de calor intenso todos se achegavam com seus lençóis e travesseiros, e se acomodavam em um cantinho para usufruir um pouquinho do ar fresco.

Ainda hoje, o quarto da mamãe, agora, o quarto da vovó, tem um ímã. Junto com a cozinha, é o cômodo mais importante da Casa. E a cama “king size” da vóIka é o lugar onde nos sentimos mais seguros, mais completos, mais protegidos. É o lugar do aconchego. Dormir na cama da vóIka, ao seu lado é o sumo da glória. E a rede armada acima da cama embala os pequeninos. É nela que o pequeno TomTom dorme a sua sesta!

Havia uma castanholeira em frente da Casa, depois do muro, na calçada, e que foi substituída por uma palmeira. Árvore frondosa, a castanholeira precisa de muito espaço, e, para expandir-se, quebra a calçada e o asfalto da rua. Por isso, muitas vezes é abatida. Foi o que aconteceu com nossa castanholeira. Foi também o que aconteceu com o açaizeiro do jardim, abatido na última grande reforma. O açaizeiro estava frondoso demais para o pequeno jardim. Ainda hoje mamãe lamenta seu sacrifício.

E por falar em muro, mamãe também lamenta a substituição do muro baixinho, original da Casa, por um muro alto, assemelhado a uma fortaleza ou a uma prisão, segundo ela. As complicações e os perigos da vida moderna obrigam as pessoas a se barricarem atrás de muros altos, muitas vezes sufocantes. 

Com o tempo, muitas reformas foram feitas na Casa, aumentando o interior, mas diminuindo o espaço do jardim e do quintal, os quais se tornaram quase inexistentes. O jardim, hoje, é formado por canteiros lindos, floridos, mas nada semelhante ao exuberante jardim de anos atrás. Lembro-me de mamãe, em seu biquíni preto, circulando entre suas plantas, cuidando delas com afagos e palavras carinhosas. “Planta gosta de carinho”, repetia mamãe. No jardim, tio Luís, sentado numa cadeira de embalo, conversava com mamãe, enquanto ela cuidava das plantas. Ele dizia, “no Boia você não poderia pegar nas plantas assim, pois as cobras não deixariam”. Mamãe dava um grito de medo e agradecia a Deus não estar no Boia, no Seringal de tio Luís, nos confins do Amazonas.

O quintal sumiu, surgindo em seu lugar uma elegante cozinha e área de serviço. Lamentamos não termos mais quintal, mas rejubilamo-nos com a cozinha ampla, toda recoberta de azulejo branco, passando aquela sensação de limpeza tão necessária para esse importante compartimento da Casa. Sempre foi na cozinha que as reuniões de família se realizam, que decisões importantes são tomadas, que os papos diários se atualizam. A cozinha é onde está a alma da família. E na Casa Sete ela é mais importante que a sala de visitas. É na cozinha que nos reunimos para a cerimônia de confraternização no final da tarde, quando todos largam as tarefas extenuantes do dia e vêm espairecer, papear, contar piadas, rir, confraternizar comendo as guloseimas que todos trazem das padarias.  

As janelas rodeavam a Casa toda e a porta da frente estava sempre aberta como que a saudar o visitante que chegava a qualquer hora. Eram muitos os visitantes, com os filhos da família cada um arrebanhando seu acervo de amigos. Aos domingos de manhã, depois da missa, a calçada da frente e o gramado do jardim ficavam coalhados de juventude. De sunga os meninos, de biquíni as meninas, que se estiravam no chão da calçada ou do gramado para pegar sol e molhar-se na torneira com a mangueira de aguar as plantas da mamãe. Até que papai instalou um enorme chuveiro, que fez um também enorme sucesso e alcançou até os netos, anos depois.

Marluce Portugaels

Professora

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