O caos que se apossou do Brasil com a chegada do novo coronavírus apresenta várias dimensões: sanitária, política, ideológica, econômica. No entanto, há igualmente uma outra dimensão.
Enquanto os cientistas – médicos, pesquisadores, sanitaristas, técnicos em saúde – explicam à população como se porta a doença, quais as medidas necessárias para combatê-la, outras vozes parecem interferir no processo dessa comunicação adotando uma linguagem que instaura a confusão.
No momento em que explodiu a pandemia viral, a ciência – a medicina, a biologia, a infectologia e todas as áreas científicas que tratam da vida – ocuparam a linha de frente das atenções. Buscaram-se orientações, explicações, argumentos lógicos que ajudassem a administrar a tragédia que vivíamos.
Por outro lado, competições ideológicas e embates políticos, muitas vezes se atravessaram no caminho do trabalho científico. E isso aconteceu por diversas formas.
Com o Covid-19 a ciência voltou a ocupar seu papel de baluarte da verdade objetiva e verificável. Tornou-se um refúgio firme para uma sociedade assustada e vulnerabilizada pelo avanço descontrolado da doença e a subida dos números de vítimas fatais. A ciência é, hoje, a linha de frente no combate à pandemia. Fornece à população números, informações, percentagens que permitem ter um quadro do que se passa. E podem ser vistos ao mesmo tempo inúmeros laboratórios empenhados em encontrar remédios que tratem a doença causada pelo vírus, sequenciando o genoma do vírus em tempo recorde, buscando pelos caminhos da pesquisa apaixonada e responsável uma vacina.
Há, no entanto, tentativas de travar esse trabalho, muitas delas invocando o nome de Deus. Contestam-se os dados fornecidos pela ciência, contradizem-se informações precisas e objetivas e se dão orientações conflitantes à população. Afirma-se que Deus salvará a todos do vírus, que o que os cientistas dizem é um exagero, e que o que há que fazer é orar porque Deus nos salvará do vírus.
Desde sempre, em todas as religiões, mas muito concretamente nas religiões monoteístas e mais especificamente no judeu-cristianismo, Deus não se imiscui nos negócios humanos para interferir na ação da própria humanidade na resolução de seus problemas. O Espírito de Deus inspira, anima, orienta, consola, mas não toma as ferramentas das mãos da humanidade para resolver, em um passe de mágica, as dores e os problemas que essa própria humanidade está passando.
Falar de Deus em tempos de coronavírus implica dialogar com a ciência e deixar-lhe plena autonomia no campo e competência que lhe é própria. Insistir, por exemplo, em aglomerações religiosas, coloca os cidadãos mais em risco do que sob a proteção divina.
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