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‘Uma vida dedicada ao Judiciário’

O desembargador aposentado Ari Moutinho será um dos homenageados, nesta sexta-feira (26), com a Medalha do Mérito do Colégio de Corregedores Eleitorais do Brasil, uma comenda reservada a desembargadores que se destacaram pela atuação no Poder Judiciário do país. A solenidade acontecerá em Cuiabá, capital do Mato Grosso.

Sua escolha foi destaque na região. A ACLJA (Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas) ressaltou a inclusão de Moutinho na lista dos que receberão a homenagem. “É motivo de muito orgulho para os seus confrades e confreiras, como também para o Estado”, afiançou a entidade. Ele presidiu o colégio no biênio 2007/2008.

Moutinho viajou, ontem, com destino a Cuiabá, que sediará a entrega do prêmio. E disse estar surpreendido por ser um dos laureados. “Na sabedoria popular, é sabido que quando um desembargador se aposenta, não é convidado nem para enterro”, afirmou, com muito bom humor ao ser entrevistado. Ele está aposentado há dois anos e seis meses.

Atuante e sempre de olho no futuro, o desembargador é reconhecido por imprimir uma marca peculiar, pessoal, no Judiciário do Estado. Por 47 anos, esteve à frente de decisões importantes que marcaram a história do poder.

Presidiu o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) e ainda o TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas), entre outras funções relevantes, que impulsionaram a trajetória jurídica junto a outros grandes vultos locais, contribuindo para uma melhor qualidade de vida aos amazonenses.  

Em sua carreira por mais de quatro décadas, tramitou pela capital, esteve em municípios do interior, alavancando os serviços jurídicos onde a presença do poder público ainda continua um desafio, dadas as dimensões geográficas do Amazonas.

Foi personagem importante em anos de eleições presidindo o TRE-AM. Em uma delas, quando a disputa polarizava entre o então prefeito de Manaus, Serafim Corrêa, que tentava a reeleição, e Amazonino Mendes, foi importante para mostrar a transparência do pleito, diante de questionamentos sobre um suposto favorecimento a candidatos.

“O próprio Serafim Corrêa reconheceu a derrota. E veio me cumprimentar pela lisura durante as eleições municipais. Digno como ele é, disse que o desembargador Ari Moutinho é exemplo de honestidade e honradez”, contou.

Antes de viajar para receber a premiação, Ari Moutinho deu uma entrevista exclusiva ao Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio – Desembargador, o sr. teve uma grande atuação no Judiciário do Amazonas. O que representa esse prêmio, reservado a poucos magistrados?

Ari Moutinho – Representa muito. Na sabedoria popular, é sabido que desembargador aposentado sequer é convidado para enterro. Fiquei surpreso porque depois de dois anos e seis meses de inatividade, eu recebo uma homenagem do Colégio de Corregedores do Brasil. É uma instituição altamente respeitável.

Todos os desembargadores que ocupam a presidência do colégio são escolhidos pelos seus méritos, pelas suas dedicações, com bastante honestidade profissional. Fui escolhido em 2007 para o biênio 2007/2008. E, no exercício da presidência, eu usei o maior vigor de minha galhardia para procurar cumprir fielmente a legislação eleitoral. Houve uma dedicação muito grande.

Fizemos inúmeros seminários, palestras, em vários Estados da federação, sempre procurando a lisura das eleições, o que, realmente, aconteceu. E aconteceu quando eu ocupei a presidência do Tribunal Regional Eleitoral, de 2009 a 2011.

Presidi o TRE-AM naquela disputa entre Serafim Corrêa e Amazonino Mendes. Foi uma eleição muito falada. Serafim foi para tentar a reeleição. E Amazonino, com aquela tradicional liderança que ele tinha, foi o vencedor.

Na época, surgiram vários comentários de que não houve lisura nas eleições, essas coisas naturais dos perdedores. E uma declaração que me deixou muito feliz foi do próprio candidato derrotado Serafim Corrêa. Quando foi indagado a respeito do que havia se passado, digno, como ele é, teve a decência de dizer o seguinte –‘eu perdi as eleições porque não tive quórum. O desembargador Ari Moutinho é exemplo de honradez e dignidade”.

Então, aquilo que eu mandei como presidente do Colégio de Corregedores, graças a Deus, repercutiu muito bem. Depois de 47 anos como magistrado, eu me aposentei. Talvez, até hoje não há nenhum colega que tenha ficado tanto tempo na função. Fiquei 17 anos como desembargador e o restante como juiz de primeiro grau. Seis anos ainda pelo interior do Estado, na primeira instância.

E no interior não foi diferente. Todas as eleições que presidi foram honestas, que deixaram a marca indelével do que é um trabalho sério e a dedicação de um magistrado. Isso representa muito para mim. E nem mais me lembrava de que poderia acontecer um reconhecimento desse.

Aos 77 anos de idade, viajo para receber o prêmio ao vivo. Isso é mais do que uma grande homenagem que vai ficar lado a lado de dezenas que já recebi em meu Estado e outros, como em São Paulo, Tocantins. Tudo é muito bom para mim.

JC – O sr. é o único do Amazonas a receber esse prêmio?

AM – Creio que não. Do Amazonas eu não me recordo. O colégio já existe há algum tempo. A medalha foi instituída em 2018…

JC – Como presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, o sr. fez muitas realizações…

AM – Estive na presidência no biênio 2012/2014. Tantas foram as minhas marcantes providências e realizações.  Uma das que considero mais louvável foi quando eu aumentei o número de desembargadores de 19 para 26. Era necessário. Não foi fácil. Tive que conscientizar a maioria dos colegas, como, realmente, consegui. E, hoje, representa muito. Primeiro porque oxigenou o nosso Tribunal de Justiça. Depois, há mais celeridade nos julgamentos.

Entre os colegas que subiram, há desembargadores de grandes projeções que representam muito para o Poder Judiciário.

JC – Hoje, as mulheres avançam na carreira jurídica. E duas presidem o Tribunal de Justiça do Amazonas. Como avalia essa distinção?

AM – Vejo de forma muito louvável. Primeiro porque sempre defendi que quanto mais privilegiar as mulheres, isso é muito importante, muito saudável. Também são magistradas que passaram a vida toda na magistratura. Hoje, temos na presidência do TJAM a desembargadora Nélia Caminha, que é uma pessoa ímpar, digna, que tem feito um primoroso trabalho que enaltece o nosso Tribunal de Justiça.

Na administração da desembargadora, ela conquistou o Prêmio Diamante, concedido pelo Conselho Nacional de Justiça, um dos prêmios mais importantes do Poder Judiciário. Ela merece porque tem relevante e brilhante atuação no tribunal.

JC – O Tribunal de Justiça está mais próximo da população?

AM – Com certeza, o tribunal está indo mais às comunidades. Portanto, os trabalhos estão sendo descentralizados. Há vários fóruns espalhados pela capital e pelo interior do Estado. Os magistrados estão conscientes de que, realmente, eles têm que exercer não apenas uma função de julgadores, mas também de psicólogos, de uma pessoa dedicada que possa superar os angustiantes problemas dos jurisdicionados.  Vejo isso com bons olhos, com certeza.

JC – Nos últimos tempos, principalmente após a pandemia, os poderes passaram a investir nos trabalhos remotos, facilitando e dando mais celeridade a serviços. Como avalia essa questão?

AM – Quando presidi o Tribunal de Justiça, tive a felicidade de ter na Corregedoria um colega brilhante, o desembargador Yedo Simões. Fizemos um trabalho, interligando todas as comarcas do interior pela internet. Então, ficou muito fácil. A prestação jurisdicional tornou-se mais eficiente.

Hoje, os advogados não precisam mais ir a comarcas. E fazem tudo pelo computador. Foi muito bom mesmo. Na presidência, acompanhava tudo também pela internet. Era mais fácil. Acabou o tempo em que os processos ficavam dormindo nas prateleiras. Hoje, os novos sistemas facilitaram muito.

JC –Tem planos de exercer outras atividades…?

AM -Quando se aposenta, todo desembargador recebe a sua inscrição, a carteira da OAB.  Isso é feito de forma solene. Confesso que eu não quis.  Tem que deixar para as turmas jovens, os novos advogados. Parei completamente, já fui professor universitário. Hoje, prefiro ficar em casa, tenho uma família maravilhosa. Saí com a consciência limpa e arejada. Quero andar tranquilo, com liberdade, dirijo meu carro, passeio, sem ter nenhum compromisso.

Vou ao cinema com minha esposa, enfim, o que a aposentadoria permite. Para mim é muito gratificante. É um prêmio que estou recebendo ao final de minha vida. Depois dos 77 anos, a gente não fica mais fazendo muitos sonhos.

JC – Pretende escrever um livro?

AM – Sim, já tenho praticamente esse livro escrito. É o que chamamos de boneca, precisa ainda de alguns ajustes. Mas, com certeza, eu publicarei a obra, espero que seja este ano. Nele, eu conto tudo que aconteceu na minha vida e a minha trajetória profissional. Narro também a minha infância em Itacoatiara e Benjamin Constant.

JC – Desembargador, o sr. e o jornalista Guilherme Aluízio foram muito amigos. Como começou essa grande amizade?

AM – Uma amizade de muitos anos, inclusive familiar. O meu pai, que viveu 96 anos, era amigo de Álvaro Fachina, pai do dr. Guilherme Aluízio. Lembro que, ainda rapazinho, o meu pai visitava a casa dele, como também eu já tinha amizade com o Guilherme.

Considero o saudoso amigo Guilherme de uma inteligência privilegiada, que sempre admirei e respeitei. Sabia escrever muito bem. Era tranquilo, educado. As coisas que ele fazia, procurava fazer com absoluta honestidade. E, mesmo sendo amigo dele, nunca foi ao meu gabinete para fazer um pedido indecente ou imoral.

Quando ele me procurou para falar de uma invasão de suas terras, foi porque tinha completa razão. Para mim, Guilherme foi um ser humano que deixou exemplos de dignidade e de honradez.

Marcelo Peres

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