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Sobre as disparidades regionais no Brasil

Sobre as disparidades regionais no Brasil

Por MÁRCIO HOLLAND(*)

O Brasil é um país tragicamente desigual. A pandemia da Covid-19 escancarou as nossas desigualdades sociais, de renda, racial, de oportunidades e regionais. Devemos sair da pandemia ainda mais desiguais, em todas as suas dimensões perversas.

Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, de Pedro Fernando Nery, como título “O Brasil do Auxílio”, revela que regiões mais pobres do Norte e do Nordeste são as que mais recebem o auxílio emergencial, mesmo controlando pelo tamanho da população. Onde não tem emprego com carteira assinada tem mais assistencialismo. E é justamente nos estados mais pobres da federação.

Nesta mesma linha, vale a pena a leitura do artigo de Tiago Mali, Paulo Pinto e Hamilton Ferrari, publicado no sítio do Poder360, com o sugestivo título “10 Estados têm mais beneficiários do Bolsa Família que empregos formais. Todos no Norte e Nordeste”. Com a desigualdade de renda vem o assistencialismo e, com ele, o populismo, de direita ou de esquerda. A perda de emprego e renda regular também é acompanhada por graves problemas de saúde pública, como doenças mentais, suicídios, depressão, vícios e violência doméstica. É o que revela o trio de pesquisadores do Brookings Instituion, baseado em Washington, DC, Benjamin Austin, Edward Glaeser e Lawrence H. Summers (ex-Secretário do Tesouro Norte-Americano), com o resultado de acurada pesquisa para o caso dos Estados Unidos, com o título “Saving the heartland: place-based policies in 21st Century America”, publicado em março de 2018.

Esses autores assumem, de saída, que as disparidades regionais nos Estados Unidos são enormes e que a convergência regional não está acontecendo. E isso requer um novo olhar sobre políticas espacialmente focadas (“a new look at spatially targeted policies”). Alguns municípios ou regiões não conseguem atrair investimentos e, com isso, não conseguem gerar emprego de qualidade. Para tal, os autores não hesitam em recomendar subsídios para a geração de emprego. Nas palavras dos autores: “The enormous social costs of non-employment suggests that fighting long-term joblessness is more important than fighting income inequality. Stronger tools, such as spatially targeted employment credits, may be needed…”.

No Brasil, estamos nos distanciando do assunto. Há dois movimentos atuais que negligenciam essa realidade. Primeiro, tem ganhado importância a ideia de má alocação de fatores (misallocation) como uma importante explicação para o baixo crescimento econômico do país. Políticas regionais vem sendo interpretadas como geradoras destas alocações ineficientes dos fatores de produção. O tema entrou para agenda de governo, conforme a publicação da Nota Informativa da Secretaria de Política Econômica, do Ministério da Economia, em fevereiro de 2020, destacando a “Redução da má alocação de recursos (misallocation) para a retomada do crescimento da produtividade na economia brasileira”. Contudo, a tese tem suas controvérsias, como mostra Bráulio Borges, da FGV/IBRE, em seu texto com o título: “A nota da SPE sobre má-alocação desinforma”, publicada no sítio do IBRE.

Na visão dos defensores desta tese, forçar capital e trabalho a se deslocarem para regiões sem vantagens comparativas naturais provoca aumento de preços dos fatores de produção e, assim, dos bens e serviços. Isso implicaria redução da eficiência econômica e, com isso, da produtividade do trabalho no interior da economia.

O segundo movimento está vinculado à discussão da reforma tributária, especialmente com a PEC 45/2019. Vale lembrar que essa PEC propõe a reforma apenas de tributos sobre o consumo, colocando o país sob o risco de agravar ainda mais a regressividade tributária. Mas, curiosamente, vendo sendo revestida como uma proposta de reforma ampla, mesmo deixando de lado reformas na tributação sobre a renda, sobre o patrimônio e sobre a folha de salários. Em nome da alocação ótima dos fatores de produção no território nacional, propõe-se acabar de vez com políticas de desenvolvimento regional que nos resta, com um IVA (imposto sobre valor adicionado) aplicado somente no destino. Vale registrar que o IVA em si pode ser um tributo regressivo, como muito bem apontou recente estudo da OCDE [Thomas, A. (2020), “Reassessing the regressivity of the VAT”, OECD Taxation Working Papers, No. 49].

As disparidades regionais têm sido mal endereçadas no país, com políticas públicas erráticas e sem qualquer avaliação de sua efetividade, desde guerras fiscais até uma infinidade de regimes tributários especiais, sem transparência e sem controle. Mas, não se pode jogar fora a criança com a água suja.

Veja o caso do programa Zona Franca de Manaus. Talvez esse seja o programa de desenvolvimento regional mais criticado por economistas Brasil afora, mesmo sem tê-lo estudado ou sem o conhecer. Afinal, a sangue frio, vale o argumento da má alocação de fatores de produção. De sobra ainda é considerado caro. Entre mito e verdade sobre a Zona Franca de Manaus, valem alguns fatos.

Primeiro, são raros os estudos com alguma robustez científica sobre esse programa. Vale o registro do estudo Vitor Possebom, de 2017 (“Free trade zone of Manaus: an impact evaluation using the Synthetic Control Method”), publicado na Revista Brasileira de Economia. Mesmo com alguns resultados inconclusivos e contrários ao programa, o autor reconhece que a renda per capita seria bem menor no município de Manaus sem a Zona Franca.

Segundo, a presença de um parque industrial no meio da floresta amazônica gera, anualmente, para a União, mais de R$ 17 bilhões em receitas tributárias, além de receitas aos cofres do estado do Amazonas, do município de Manaus, das contribuições como contrapartida em investimentos em P&D, etc. O programa sustenta a Universidade Estadual do Amazonas e, de sobra, o Projeto Atto (Observatório da Torre Alta da Amazônia) e o indescritível Festival de Parintins. O programa gera quase 500 mil empregos diretos, indiretos e induzidos para um estado de pouco mais de 4 milhões de habitante.

Terceiro, sobre a má alocação de fatores causada pelo programa, vale registrar que o estado inteiro do Amazonas tem apenas 0,6% de todos os estabelecimentos industriais com 5 ou mais trabalhadores presentes no território nacional, representa 1,4% de todo o PIB brasileiro ou 1,3% de todo o pessoal ocupado nas empresas industriais. Seria essa ordem de grandeza responsável pela baixa produtividade do trabalho no Brasil?

Mas, a pergunta que me parece mais apropriada seria aquela em linha com o estudo de Austin, Glaeser e Summers, sobre se o município de Manaus carece de “place-based policy”. Voltando ao assistencialismo do auxílio emergencial ou do Bolsa Família, vale mais lutar contra as desigualdades de renda ou contra os custos sociais do não emprego, como sugerem os pesquisadores do Brookings Institution?

O programa Zona Franca de Manaus é passível de várias críticas, em especial, a de baixo nível de governança, de falta de estudos sobre sua efetividade, ou de que o programa pode estar se esgotando conforme avança a indústria 4.0. Mas, não é um problema de custo fiscal, nem uma questão de alocação ineficiente de fatores.

O Brasil precisa revisitar suas políticas de desenvolvimento regional em linha com interessantes sugestões advindas do texto de Austin, Glaeser e Summers, e não abandonar o tema e deixar regiões remotas e de difícil capacidade de geração de emprego sem desenhos de políticas públicas. Na verdade, endereçar as nossas desigualdades pode ser uma poderosa arma de desenvolvimento socioeconômico do país.

(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde Coordena o Programa de Pós-Graduação (lato sensu) em Finanças e Economia, e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente e é colunista do site BrasilAmazoniaAgora

*Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]

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