Morando aqui em Manaus, que atire o primeiro caroço quem nunca tomou um vinho de açaí, bacaba ou patauá. Só tem um porém. De acordo com o Art. 3º da Lei nº 7.678/88, ‘vinho é a bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura. Parágrafo único. A denominação vinho é privativa do produto a que se refere este artigo, sendo vedada sua utilização para produtos obtidos de quaisquer outras matérias-primas’.
Não se sabe desde quando começamos a chamar de vinho para as bebidas obtidas daqueles frutos. Pela lei, vinho só de uva, por isso o empreendedor Helder Luber Ehm Maia vai mudar os rótulos de suas bebidas de açaí, de vinho para pajuarí que, em tupi, significa fruto fermentado.
Helder foi aluno e é professor de avicultura, tecnologia de alimentos de origem animal e vegetal, e nutrição animal na escola agrícola Rainha dos Apóstolos, na BR 174. Foi vivendo praticamente toda uma vida nessa escola, que Helder se apaixonou pelo açaí e começou a pesquisar a bebida do fruto há 21 anos.
“O meu objetivo era realmente fazer um vinho de açaí, por isso, em 1998, comecei os experimentos e, ao longo dos anos testei a bebida de várias maneiras. Em 2000 a engarrafei pela primeira vez e a tenho guardada até hoje”, contou.
“Somente seis anos depois, em 2006, foi que cheguei à conclusão que havia conseguido uma fermentação e um teor alcoólico parecido ao do vinho”, falou.
“Muitas pessoas, quando provam minha bebida, perguntam se eu acrescento álcool. Não acrescento nem um pingo. O teor alcoólico de 10% é resultado somente da fermentação do açaí obtida através de um processo que desenvolvi em todos estes anos de pesquisa”, revelou.
Precatória é do Amazonas
Desde então Helder continuou produzindo seu ‘vinho’, engarrafando e vendendo somente para os amigos, tudo de forma artesanal, junto com a esposa Maria da Conceição, a filha Brenda Maia e a amiga Alessandra Miranda, ainda desconfiado se realmente estava produzindo ‘vinho’, mesmo os amigos elogiando a bebida e garantindo que realmente era a bebida dos deuses. Em 2014 Helder resolveu dar um passo além.
“Coloquei umas garrafas para vender numa loja no aeroporto e qual não foi minha surpresa quando um sommelier entrou em contato comigo querendo saber mais sobre a bebida, bem como levá-la para uma feira de vinhos em Bento Gonçalves/RS. E me levou junto, com tudo pago, por uma semana”, lembrou.
“A bebida fez muito sucesso em Bento Gonçalves, tanto que, desde então, tenho mantido o mesmo padrão na produção. No começo eu fermentava a polpa da fruta, mas quando passei a fermentar o fruto inteiro, descobri que o aroma e o sabor ficavam bem parecidos com os vinhos de uva, acredito que por alguma propriedade existente no caroço”, disse.
Existem duas variedades de açaí: o paraense (Euterpe oleracea) e o amazonense (Euterpe precatória) que frutificam em períodos distintos, seis meses lá e seis meses cá, durante o ano inteiro. Cada uma das espécies possui propriedades próprias com cada um dos grandes estados da Amazônia considerando melhor, a espécie que frutifica em suas terras mas, segundo pesquisadores, uma completa a outra.
“O açaí que utilizo é o nosso, precatória, adquirido de Anori e de Codajás. Consegui desenvolver dois tipos de bebida, a seca e a suave”, informou.
Pajuarí, amazônico, indígena
Este ano Helder abriu sua empresa, a Wasai Manaú (do sateré mawé, açaí de Manaus) e participou pela segunda vez de uma feira de vinhos, a Fiva (Feira Internacional de Vinhos na Amazônia), acontecida na semana passada.
“Vi a propaganda da Fiva, liguei para eles que acharam muito bacana a ideia de lançar o ‘vinho’ de açaí para um grande, e conhecedor, público e, realmente, a bebida fez muito sucesso. Sommeliers e enólogos a experimentaram a disseram que era muito parecida com o vinho do Porto. Isso é um orgulho para mim que, desde o começo, sempre quis produzir uma bebida de qualidade”, informou.
Mas o ‘vinho’ de Helder vai deixar de existir. Se ele quiser expandir seus horizontes comerciais não vai poder vendê-lo como tal.
“Como é um fruto fermentado, bastava apenas procurar um nome que resumisse essa informação e o nome que descobri foi pajuarí, amazônico, indígena, da maneira que eu quero que minha bebida seja conhecida”, revelou.
“Os próximos lançamentos serão os pajuarís de bacaba e de patauá. Já estou fazendo testes, que não demorarão porque estou usando os mesmos princípios usados com o açaí, e que deram certo. Estou satisfeito porque as duas bebidas ficaram com uma coloração rosa, muito bonita. Vão fazer sucesso, também, pelo visual diferente”, comemorou.