27 de julho de 2024
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O legado incomparável de Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019)

         O jornalismo brasileiro passou por profundas transformações na década de 1950. Os jornais se tornaram empresas organizadas. Foram introduzidos novos maquinários, novas técnicas e linhas editoriais. Os jornalistas passaram a buscar cada vez mais especializações, atualizando-se nas mais diferentes áreas. Um desses jornalistas era o jovem Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019), que muito antes de ser um grande empresário do ramo da comunicação, proprietário do centenário Jornal do Commercio de Manaus, iniciou sua carreira na imprensa em 1955, aos 18 anos, no extinto jornal A Gazeta, à época propriedade do político Arthur Virgílio Filho (1921-1987).

         Nesse periódico atuou como repórter e redator, produzindo matérias de alta qualidade e grande repercussão, como a intitulada Dois gêneros de primeira necessidade provocam séria crise no consumo, em que registrou o desespero dos manauaras diante da falta de farinha de trigo e açúcar, o que gerou uma grave crise, sendo necessário o racionamento do pouco que ainda existia e do que era apreendido em fiscalizações nas imediações do porto. O problema só foi superado com a compra em grandes quantidades feitas pela COAP (Comissão de Abastecimento e Preços) em casas comerciais do Pará.

         Além das matérias investigativas, notabilizou-se na produção de relatos de viagem. Comecemos por sua Excursão do Rio Negro a Nova Olinda. Nele descreve com riqueza de detalhes a viagem, realizada por iniciativa do Atlético Rio Negro Clube e da Petrobras, à cidade de Nova Olinda, onde estava sendo feita a prospecção de petróleo. Ele destacou, logo ao chegar, que os tripulantes da chatinha ‘Irineu Evangelista’ ficaram admirados “[…] com o muito que tem feito a Petrobras por aquela cidade madeirense, no que diz respeito às suas ruas em linha reta e nas bonitas construções erigidas quase que em plena selva”.

         Posteriormente a essa passagem por Nova Olinda, recordou sua terra natal, Beruri, no texto Recordando o Berury. O lugar que Guilherme descreveu era modesto, com quatro ruas e cerca de 1000 habitantes, tendo como principais atividades econômicas o plantio, a colheita da castanha, a pesca e a indústria manual. A Petrobras estava em busca de petróleo nessas terras. “As esperanças do seu povo convergem para o ouro negro”, registrou o autor, “aquele mesmo que jorrou em Nova Olinda”. A partir desse ponto ele passa a exaltar a natureza e a vida bucólica de Beruri, em contraste com a correria e artificialismo das grandes cidades: “Pequenino lugar encravado no barro vermelho do Purus, que nos viu nascer, tu estás ausente das orgias da cidade, das noturnas bacanais, da “very kar society”. Não tens carros nem jipes atropeladores, esses monstros sob rodas que matam e atrofiam os pedestres. A vaidade, a descompostura e a falsidade não existem entre teus filhos. És esquecido, mas melhor que lembrado”.

         Sua série de reportagens de viagens mais longa chama-se Belém em seis dias, dividida em seis partes. A estadia de seis dias na capital paraense ocorreu com contexto de estreitamento de laços entre os membros do Orbis Clube de Manaus, do qual Guilherme era membro, e o Orbis Clube de Belém. O Orbis era uma entidade social que congregava jovens de diferentes classes sociais e ocupações. Foi criada com os objetivos de garantir a educação gratuita, atividades culturais e o estudo e soluções de problemas sociais. Nos dias em que a comitiva do Orbis de Manaus esteve em Belém, tomou nota sobre diferentes aspectos da cidade, como o comércio, as indústrias, os pontos turísticos, a culinária e a vida social. Ao final de sua estadia afirmou o seguinte: “A Belém que nós vimos em seis dias, e que foi pintada por nós nestas reportagens, está bem nítida aos nossos olhos, e dêles ninguém tirará a impressão maravilhosa do que é a grande cidade – centro de um povo bom e amigo”.

         Em 24 de janeiro de 1958 escreveu um belo texto em comemoração ao aniversário do jornal A Gazeta. Com título simples, Parabéns, “A Gazeta”!, descreveu de forma brilhante a trajetória de lutas do vespertino, fundado em 24 de janeiro de 1949. “Eram tempos”, escreve Guilherme, de “glórias alcançadas com o sacrifício e o esforço de um punhado de bravos jornalistas, que a tempo e hora se lançou numa tarefa, com um futuro ignorado, construindo e conceituando o grande jornal de hoje”. Nesta homenagem não citou apenas os colegas de redação, o Diretor Arthur Virgílio, o Secretário Caupolican Padilha e o Gerente Augias Gadelha, também deixando registrados os nomes dos funcionários que trabalhavam com o maquinário: Costa Novo, Nonato da Costa, Dalmo, Rebelo, Osmar, Solondino, Corrêa Lima, Francisca e Eduardo. Todos eram peças importantes para o dinamismo e qualidade ímpares do jornal.

         Nesse período Guilherme tinha como companheiros de trabalho os jornalistas Milton de Magalhães Cordeiro, Wanderley Barbosa de Pinho, Júlio César da Costa, Aldévio Praia, Thomaz Tavares, Ulysses Oyarzabal (fotógrafo), Leonardo Parentes de Araújo, Benedito de Jesus Azêdo, Raimundo Nonato de Magalhães Cordeiro, Frânio Lima, Thomaz Meireles Neto, Guilherme Gadelha, Lenize Carvalho e Andréa Limongi.

         Guilherme Aluízio foi um jovem que lutava bravamente por seus ideais, principalmente os que diziam respeito à educação. Foi um membro ativo da União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas (UESA), chegando a candidatar-se à presidência da mesma, viajando para o interior do Estado para angariar votos dos colégios interioranos. Mesmo não sendo aluno do Colégio Estadual do Amazonas (Dom Pedro II), registrou de forma vibrante, no texto A Vitória que eu vi, a eleição do amigo jornalista do jornal A Tarde, Waldy Machado, para a presidência do Centro Estudantil Plácido Serrano, tendo como vice Manuel Luiz. Deve-se destacar, também, sua participação política como um dos oradores do Núcleo Central Pró Arthur Virgílio em 1958.

         Sua vida social era rica. Foi membro dos principais clubes da cidade. No já citado Orbis Clube foi eleito Presidente em 1959. Sua posse foi realizada no dia em que o clube comemorou um ano de fundação. Estiveram presentes o Governador Gilberto Mestrinho, o Prefeito Lóris Cordovil e outras autoridades, bem como empresários de envergadura no Estado. No Atlético Rio Negro Clube fez parte da Juventude Rionegrina. Já no Ideal Clube atuou como Diretor de Imprensa do Boletim Social da casa. É em um desses boletins, de 1960, que figura um de seus mais belos textos, Num Mors… necrológio (elogio fúnebre) em homenagem ao Desembargador Emiliano Stanislau Affonso (1881-1960), então o único sócio-fundador do clube ainda vivo. A passagem do desembargador era uma “pêrda irreparável, lacuna impreenchível, ausência sentida”, mas sua “presença espiritual” jamais seria esquecida.

         Guilherme deixou o jornalismo em 1960, quando começou a trabalhar nas empresas de seu pai, Álvaro Fachina da Silva (1908-2000). Do emprego como jornalista na juventude ficou o desejo de possuir o próprio veículo de comunicação. Possuindo os capitais necessários, em 04 de dezembro de 1984 adquire o Jornal do Commercio, jornal mais antigo em circulação no Norte do país, fundado em 02 de janeiro de 1904 pelo comerciante português Joaquim Rocha dos Santos; e a Rádio Baré, fundada em 1938. Aluízio tornou-se o quinto proprietário dessa histórica folha (Joaquim Rocha dos Santos, Adolpho Lisboa, Vicente Reis e Diários Associados). Pela brilhante administração do jornal, foi premiado em diferentes ocasiões.

         Faleceu no dia 03 de junho de 2019 em São Paulo, aos 82 anos, sendo sepultado em Manaus, no Cemitério de São João Batista, no dia 5 de junho. Guilherme Aluízio de Oliveira Silva foi repórter, redator, empresário. Amazônida de espírito criativo, determinado, que deixou um legado incomparável no jornalismo brasileiro. O texto a seguir mostra um pouco do imenso talento do jornalista para . Ele foi originalmente publicado no jornal A Gazeta, Manaus, 1955. 

Jornalismo Literário:

Recordando Beruri

A 23 horas de Manaus, 10 horas acima de Manacapuru, três horas subindo o rio Purus. Em lancha em marcha regular. Esse é o percurso para se atingir um lugarejo de altas barrancas, duas dezenas de casas e quatro ruas.

Às vezes, em alguns mapas geográficos se encontra marcado, na margem direita do abundante rio Purus, cujo entrelaçamento e comunicação se faz com afluentes como o Rio Iaco e o Rio Acre ao desaguar no Brasil, na margem direita do Purus, na cidade de Boca do

Acre. Cerca de mil habitantes moram na cidade, vivendo do plantio e colheita da castanha, da pesca artesanal e da indústria manual. O delegado e a professora são os símbolos do saber acadêmico naquela região.

O comércio de venda e revenda dos produtos alimentícios é um dos mais promissores. Alguns comerciantes prosperaram naquele local. Na década de 30 havia uma serraria de beneficiamento de madeiras e uma usina de extração de óleo de pau rosa fundada por Álvaro Fachina da Silva, Dalila Batalha sua esposa e Izaura Batalha sua sogra.

Existe uma possibilidade que seja encontrado petróleo no seu solo. Uma equipe da Petrobras está trabalhando. O povo tem esperanças de que se encontre o ouro negro, movido das mesmas esperanças do povo de Nova Olinda, houve grandes expectativas

noticiadas nos jornais da capital, porém, o ouro negro desapareceu misteriosamente. Beruri talvez tenha maior sorte. Talvez jorre petróleo do seu solo, talvez seja manchete nos jornais. Talvez os mandatários da nação criem coragem e resolvam de uma vez por todas as calamidades de Beruri, de Manaus, do Amazonas, do Brasil.

A terra onde nasci, onde dei os primeiros passos, onde estive nos primeiros nove anos de vida. Local de natureza exuberante e agradável. Existem os problemas como em qualquer outra pequena cidade do mundo, mas, as pestes das plantações, os ladrões do colarinho branco, os estelionatários, a juventude transviada – inspirada no filme lançado em 1955, “Rebel without a cause”, com James Dean – com moto (ou lambreta), casaco de couro, comportamento rebelde, prisão etc., os costumes norte-americanos e nem tampouco se assiste filmes de faroeste. Beruri é livre de tudo isso.

Pequenino lugar encravado no barro vermelho do Purus. Beruri está longe do barulho da cidade grande, das noites intermináveis, da very kar society. Livre dos jipes atropeladores, esses monstros de rodas que matam, que atrofiam os pedestres. Livre da vaidade, da

descompostura e do fingimento. É esquecida pelos forasteiros, mas sempre é lembrada pelos seus filhos.

Lugar abençoado, como é abençoado tudo aquilo que é sincero. Não parece diferente de muitos outros lugares espalhados por este imenso Amazonas, perdidos também em muitas barrancas vermelhas. Beruri lembra a cidade do dramaturgo grego Aristófanes, nascido em

Atenas, considerado o maior representante da comédia antiga “escravo marcado com ferro em brasa”. Os seus filhos nunca te esqueceram, recordam os momentos vividos em seu chão. O campo de futebol, as peladas de todas as tardes. A igreja com o enorme cruzeiro na frente. A velha Mãe Joana que ainda pega os meninos da redondeza. Os amigos Mário Andrade, Chico Miranda e outros. Beruri tem fama no coração dos seus filhos que a amam.

A Princesinha do Purus jamais sofreu com o desabastecimento de água, nem tampouco de energia elétrica. O imenso Rio Purus, caudaloso, manso nos dias calmos, terrível e furioso ao sopro do menor vento, qual manancial diluviano, mata a sede dos seus filhos e lava o 

corpo dos seus descendentes. O pequenino conjugado elétrico, impotente para qualquer outra função, ilumina suas ruas nas noites escuras, assegurando o caminhar seguro daqueles que percorrem suas ruas. Os berurienses jamais foram às boates com seus salões banhados a meia luz, desconhecem as rodas literárias e as crônicas sociais.

Os berurienses talvez não entendam o britanismo e o americanismo da chamada High Society. Talvez a própria High Society nunca entendeu tudo isso, apenas repete os termos da língua inglesa pela moda, pela vaidade, pelo alardeio de grandeza, pela ostentação

fantasiosa, pelo atrofiamento dos sentimentos, pela pequenez do espírito.

Tu estás livre de tudo isso

Minha querida Beruri,

Estás livre, limpa, sem mancha alguma,

Em reconhecimento a ti, digo assim:

Ó minha mimosa terra

Eu te tenho muito amor

Eu vivi feliz

Sem sentir amarga dor.

Amo teu povo hospitaleiro,

Lá destas terras benditas,

Amo o prado, o chão e o céu

De tuas belezas infinitas.

Ó minha mimosa terra

Eu te tenho muito amor,

Eu aí vivi feliz

Sem sentir nenhuma dor.

 (Guilherme Aluízio de Oliveira Silva. Jornalista filiado à Fenaj

com registro profissional nº 136. Recordando Beruri. Publicado

originalmente no jornal A Gazeta, Manaus, 1955)

 (Edição de texto por Elcias Moreira, 2 de setembro de 2021)

Foto/Destaque: Divulgação

Fábio Augusto Carvalho

é historiador
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