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José Melo quer ativar bioeconomia no Amazonas

De volta à política, o ex-governador José Melo (PROS) quer dar continuidade ao seu projeto de implantação de uma matriz econômica ambiental, uma iniciativa que teve início ainda quando comandava o Estado, de onde saiu após ser acusado de compra de votos e preso suspeito de participação num esquema de desvio de recursos da saúde.

Melo anuncia que é pré-candidato a deputado estadual nas eleições de 2022. Está reunindo forças para retomar suas atividades no cenário político local. E diz que seu grande objetivo é mostrar que as potencialidades dos recursos naturais poderiam gerar pelo menos três zonas francas em receita ao Amazonas, hoje dependente praticamente das riquezas geradas pelas empresas instaladas no PIM (Polo Industrial de Manaus).

O ex-governador afirma que só não avançou com o seu projeto de implantação de uma matriz ambiental por ter deixado o governo – algo tão promissor e capaz de alavancar mais ainda o desenvolvimento da região.  

“Estamos montados numa mina de ouro que pode ser a solução para gerar mais empregos e renda com o potencial da biodiversidade. Lamento muito o fato de meu grupo político não ter despertado 40 anos atrás para esse novo viés de atividades durante o tempo em que dominou o poder no Amazonas”, diz ele. “A matriz econômica ambiental é o futuro para fortalecer a região”, acrescenta.

José Melo espera retomar os passos nessa direção com a oportunidade de ter um novo mandato político, desta vez na Assembleia Legislativa. E lembra que está sozinho. Seu grupo político, remanescente do ex-governador Gilberto Mestrinho, de onde surgiram lideranças como Amazonino Mendes, Eduardo Braga, Omar Aziz, se esfacelou.

“Hoje está cada um para o seu lado. Por falta de estratégia, deixaram que não se elegesse o Pauderney Avelino, um ferrenho defensor da Zona Franca, a pessoa mais bem preparada que encontrei na Câmara Federal”, afirma.

Por quase quatro anos, José Melo viveu uma espécie de ostracismo depois de ser preso. Ele conta que passou pelo menos 133 dias na prisão e 1.140 dias com tornozeleira eletrônica, uma situação tão traumática que abalou muito a sua autoestima, mas que não o deteve “de seguir adiante com seu projeto”.

O ex-governador participou da live ‘JC às 15h’, comandada pelos jornalistas Caubi Cerquinho e Fred Novaes, diretor de redação do Jornal do Commercio.

Jornal do CommercioComo vê essa vulnerabilidade dos idosos depois de uma vida toda dedicada aos filhos?

José Melo – É lastimável. O Brasil não cuida bem dos intervalos da vida. A gente vê crianças abandonadas, juventude sem esperança, os velhinhos submetidos a situações degradantes. O país que não cuida dos seus filhos, dos jovens e dos idosos, precisa repensar seu conceito de nação.

JC – O sr. tem uma vasta experiência de vida e também na política. E agora vai sair candidato em 2022. São quantos anos de mandato na política?

JM – Eu, filho de seringueiro, analfabeto até os 14 anos de idade, comecei minha vida. Meu pai veio pra Manaus, fui vendedor de fruta na rua, tive experiência como jardineiro.

Depois aprendi datilografia e virei datilógrafo da Universidade do Amazonas. Tive uma carreira lá. Fui delegado do Ministério da Educação, secretário de Estado, por duas vezes secretário de Educação, uma vez no município.

E tive uma série de outros exercícios em secretarias, fui secretário do governo, do interior, presidente do Idam, deputado federal por duas vezes, uma vez deputado estadual, uma vez governador e vice-governador.

Comecei lá atrás ainda vendo Gilberto Mestrinho voltar do seu exílio para assumir o governo. Passei por esses governadores todos, ocupando esses cargos.

Ao longo de todos esses anos, adquiri muita experiência e vivência de conhecimentos. Eu me dediquei 42 anos ao interior do Estado. Eu ficava praticamente no interior.

Agora, chego a essa idade tentando implantar como deputado estadual um projeto de desenvolvimento sustentável que fosse ao mesmo tempo preservando a Zona Franca de Manaus com toda a sua bagagem, mas também com um olhar para as nossas riquezas regionais do ponto de vista sustentável.

Trabalhar essas riquezas para gerar empregos, renda e qualidade de vida ao povo. Não foi possível naquela altura porque fui cassado. Depois de passar esses mais de três anos e meio recolhido, passei estudando,me dedicando ao Estado, com o meu conhecimento. Retomo agora a matriz econômica ambiental que era objeto do meu governo lá atrás.

Se Deus permitir e o povo também, quero me lançar candidato a deputado estadual, hoje é apenas uma pré-candidatura. O objetivo é dar segurança jurídica para os investidores que queiram trazer os seus negócios.

Fred Novaes e José Melo nos estúdios da Rádio Baré/Crédito: Danilo Rodrigues

JC – Hoje, não se consegue fomentar a tão esperada bioeconomia no Amazonas. O amazonense come muito peixe, mas precisamos importar a produção de Roraima e Rondônia para abastecer o mercado regional. Por que estamos tão amarrados nessas questões?

JM – A Zona Franca de Manaus é maravilhosa conosco, mas ela também é culpada disso. Com suas riquezas e receitas, a ZFM deu aos governadores todos os recursos que eles precisavam.

Mas se esqueceram que a Zona Franca era ao mesmo tempo uma espada em nossa cabeça. Porque um ministro de mau humor pode mudar os conceitos e prejudicar tudo aqui. Então, eu olho pro futuro, olho lá na frente.

A Zona Franca está aqui, mas as nossas riquezas que estão do lado e são imensas, também podem ser objeto de desenvolvimento científico, tecnológico. Elas podem vir a gerar um produto. Um exemplo, a gente tem aí 80 anos de fornecimento de potássio para o agronegócio brasileiro. O Brasil importa 90% do potássio de que precisa para o seu agronegócio. O nosso potássio está naquela região de Autazes a 750 metros de profundidade, quase a céu aberto, e por que não explorar, tirar o País da dependência da importação?

Quem trabalha no agronegócio está passando por um problema terrível. Elevaram o preço lá pra cima e o Brasil está de calças curtas. Eu defendo a exploração do potássio e de milhares de outras atividades também, mas com base na ciência.

Quanto representam os 80 anos de fornecimento de potássio para o agronegócio brasileiro? Mais de 100 bilhões. É justo deixar algo assim? Não.

É justo deixar o nióbio de Presidente Figueiredo lá quando o mundo todo requer um material de altíssima qualidade, entra em tudo hoje, turbina e fuselagem de avião, chapa de navio. E 96% desse material estão em nosso no Amazonas, 4% estão lá fora, 2% no Canadá, o resto espalhado, é justo deixar?

É justo termos 20% da água doce disponível na terra, termos sol, termos peixes de altíssima qualidade e não sermos o maior produtor de peixe de água doce do mundo?

O Brasil tem 49% da floresta tropical da América do Sul.   O Amazonas tem um milhão e meio de quilômetros quadrados com 97% da floresta preservada.  Se o mundo pagasse pelo serviço ambiental que essa floresta presta hoje, seriam 55 bilhões de dólares a preços de ontem.  E 279 bilhões de reais para os cofres do Estado. Não é justo abrir mão disso.

Quando eu era governador lá atrás, nós reunimos ambientalistas do mundo todo, embaixadores, e discutimos três dias num hotel de selva os vieses econômicos do Estado do Amazonas

E daí surgiu a matriz econômica ambiental, fruto de uma frase de um ambientalista que disse ‘vamos criar uma matriz econômica, social e ambiental’.

JC – Durante o período em que ficou afastado da política, qual foi a sua reflexão e de que forma isso serviu de alimento para a nova fase?

JM – Eu fui tudo isso que falei. E fui cassado por compra de votos. Ganhei uma eleição com 173 mil votos de diferença. O meu adversário não ficou satisfeito, entrou na justiça e eu fui cassado.

O motivo da minha cassação – uma senhora chamada Nair Blair havia comprado votos. Essa senhora, não satisfeita, numa acusação feita a ela, entrou na justiça, pari passu seguiu o meu processo de cassação, o mais rápido da história política do Brasil. Num estalar de dedos fui cassado.

Ela continuou na justiça, agora ganhou o processo transitado em julgado. E a justiça reconheceu em todas as instâncias que a dona Ana Blair não comprou votos, mas eu fui cassado por compra de votos.

Então, imagine o que é a pessoa que veio lá de baixo, subiu, cresceu, lutou a vida toda, tinha um projeto de futuro para o Estado, que era a matriz econômica ambiental.

Começou a implantar e de repente tudo isso foi por águas abaixo. Isso foi um trauma muito grande pra mim. Logo em seguida, veio outro. Uma operação da Polícia Federal sobre desvio de verbas da saúde do Estado, onde eu havia sido acusado de fazer parte dessa quadrilha.

Eu não conhecia o seu Mohamad (empresário e médico Mohamed Moustafa), nunca tínhamos falado um com o outro, mas estava sendo acusado de com ele formar uma quadrilha. Estou me defendendo na justiça e, com a graça de Deus, isso vai ter um denominador comum, espero.

Eu passei 133 dias preso e 1.140 dias com tornozeleira eletrônica. Isso foi terrível pra mim, como se de repente eu morasse debaixo de uma casa e ela fosse implodida comigo. Mas fui para uma espécie de imersão, peguei esses quase quatro anos e botei pra estudar. E fui fortalecer a minha vida espiritual enquanto ser humano. Eu havia esquecido que Deus existia. Ele me deu tudo que eu tinha e depois me tirou tudo de uma vez. Primeira lição, agora tenho consciência de que Deus existe e estamos juntos, eu como filho e ele como pai.

Então, assim tudo na vida é um ensinamento. Aproveitei a minha dor, o meu couro está muito mais grosso, a minha mente está muito mais aberta, mais tranquila. Aproveitei tudo aquilo como ensinamento que é o que vou fazer daqui pra frente. Não tenho ódio, não tenho mágoa, nesse velho coração. Só tenho um único desejo, de lutar pelo futuro do povo do Amazonas através do que acredito, que é o futuro, que é a matriz econômica ambiental.

José Melo recebeu uma edição de Aniversário de Manaus das mãos do superintendente do JC, Adalberto dos Santos/Crédito: Danilo Rodrigues

JC – Falando da matriz econômica ambiental, há o argumento de que talvez essa luta esbarra na esfera federal que tem muitas legislações com esse escopo. Por que a opção pelo Estado para disputar essa cadeira na Assembleia?

JM – A legislação é federal e estadual, é até municipal, o município tem também as suas leis. Então, há uma lei maior que estabelece as regras gerais do meio ambiente. O Amazonas adaptou suas leis a isso. Só que agora as leis precisam ser adequadas a esse novo momento, que é para explorar essas riquezas.

E as leis federais também têm que ser modificadas. Foi assim que se combateu a Covid. Os entes se juntaram. Desse mesmo jeito, precisamos agora que o governo estadual e o federal se juntem para modificar.

Escolhi a cadeira estadual porque eu já tenho escritas essas leis, como eu diria no prelo. Estão lá guardadas e espero apresentar na Assembleia.

Espero que possa ter deputados estaduais, senadores eleitos no próximo pleito abraçando essas ideias.

Se não vamos continuar como estamos hoje, com 24 bilhões de receita no Amazonas, mas com o interior abandonado e esquecido. Qualquer governador que entrar, não tem dinheiro suficiente pra fazer tudo isso. Estamos aqui montados em bilhões de dólares. Nos deem uma chance pra que uma parte desses bilhões possa se transformar em receita para o Estado, permitindo que o governador construa escola de qualidade.

Mas pra isso tem que ter segurança jurídica para o empresário. Esse é o caminho.

JC – Existe a pressão internacional sobre essa questão ambiental, da exploração de riquezas. Vemos o presidente Jair Bolsonaro recuando nessa questão. Como o sr. observa isso e de que forma a gente conseguiria fazer com que as pessoas compreendessem a necessidade de desenvolver a economia com esse viés?

JM – A pressão internacional é lógica, do ponto de vista econômico. Por que não deixaram explorar uma das maiores minas de diamante que tem em Roraima?

Porque se esse diamante entrasse no mercado teria um desequilíbrio. As forças entraram e perdoaram a dívida externa brasileira. O presidente não tem que conhecer tudo, os assessores é que teriam que alertar. Mas tudo foi um aprendizado.

Por que que a China, depois de ter dois ministros esculachados, continuou comprando os grãos daqui? Porque ela tem bilhões pra alimentar e os grãos estão aqui no Brasil.

Nesse jogo todo, a Amazônia foi vendida durante muitos anos como uma virgem que ninguém podia desonrar. Mas o mundo enriqueceu com os recursos naturais.

Nem o Brasil e nenhum país emergente tem condições de jogar esse jogo na porrada. Tem que ter habilidade. E vamos aos poucos conseguindo.

O Brasil tem duas moedas de troca importantes – água doce e produção de milhões de peixes em cativeiro, sem ferir a floresta.

José Melo diz que grupo político implodiu/Crédito: Danilo Rodrigues

JC – O sr. sempre foi conhecido como um hábil articulador político, não é à toa que tenha uma carreira tão extensa e exitosa. Como está sua articulação em torno de lideranças, uma vez que fez parte de um grupo político hegemônico que hoje está dissolvido?

JM – Eu era delegado do MEC e o Amazonino me convidou para ser secretário de Educação e de lá virei político. Fui bem votado. Só que em todos os cargos que ocupei eu era o carregador de piano, nunca aparecia em entrevistas porque estava atrás. Parecia aqueles seguranças do presidente. Ajudei muitas lideranças políticas em sua carreira.

Ajudei o ex-governador Eduardo Braga a ganhar uma eleição contra o Amazonino. Ele perdeu em Manaus com uma diferença enorme de votos e a diferença veio do interior com meu trabalho. E ele assumiu o compromisso de que eu seria governador um dia;

Mas o vice-governador dele era o Omar. Aí, o Omar chegou e disse ‘é a minha vez’, eu tinha quase 70 anos e aceitei. Fui ser vice do Omar com o compromisso de que eu seria a bola da vez. Mas quando chegou a hora, o Eduardo disse ‘eu quero de novo’.

E eu disse ‘só quero uma’. Ele veio pro embate político comigo e levou uma surra de 173 mil votos. Então, o que aconteceu com o grupo político que formamos desde o Gilberto pra cá? Implodiu, nunca mais ninguém ganhou eleição porque o carregador do piano caiu fora. Com todo respeito às lideranças, era eu que carregava o piano.

O Eduardo Braga implodiu o nosso grupo político. Perdeu a eleição, o Omar perdeu a eleição, o Amazonino perdeu a eleição. E aconteceu uma outra coisa que achei que é um desserviço ao Estado do Amazonas – um dos caras mais bem preparados que eu conheci na Câmara Federal foi o Pauderney Avelino, defensor ferrenho da Zona Franca de Manaus, perdeu a eleição com o esfacelamento do nosso grupo político.

O grupo está esfacelado, agora cada um querendo juntar os cacos, mas cristal você pode até unir, mas fica a cicatriz. Agora, cada um está em um lado. De minha vez, tenho a humildade de começar como deputado estadual, lá embaixo, é o que eu quero pra defender as minhas teses. Lamento muito que esse grupo 40 anos atrás não tenha imaginado uma matriz econômica ambiental, pois teríamos três zonas francas de Manaus em termos de receita para o Amazonas.

Fred Novaes

É jornalista
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