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Brilhante, tradição e modernidade

A história de Vilson Santos Costa, o Coca, com a brincadeira de boi bumbá é antiga. Ele começou quando tinha doze anos de idade, e hoje se aproxima dos 70.

“Meu interesse por essas brincadeiras juninas veio do meu pai, Edmilson Alves da Costa, maranhense, que morava na Praça 14 de Janeiro. Ele fundou a tribo dos Manaús e eu, ainda bem pequeno, ia na frente carregando o ‘Aladin’, espécie de lamparina que iluminava os caminhos dos brincantes. Naquela época a maioria dos bairros de Manaus praticamente não tinha energia elétrica e as ruas eram escuras, então ia um ‘Aladin’ na frente e outro atrás da tribo”, recordou.

Apenas parte dos troféus, em 40 anos de existência. O mais recente é de 2019 – Foto: Divulgação

A tribo dos Manaús se apresentava, no General Osório, no Festival Folclórico, carregando um imenso jacaré empalhado dado a Edmilson pelo organizador do Festival, o jornalista Bianor Garcia.

Em 1966, com doze anos, Coca resolveu brincar no bumbá Caprichoso, da Praça 14, pertencente ao casal Raimundo e Maria Gadelha. Com uma fantasia dada pelo seu cunhado, o menino brincou pela primeira vez no bumbá, cujo curral ficava na av. Ayrão com a rua Jonathas Pedrosa, mas o boi acabou naquele ano.

“Nós havíamos ganhado o Festival e voltávamos pelas ruas escuras, comemorando, quando um carro de Bombeiros atropelou o amo, e ele morreu. A alegria terminou ali mesmo e o bumbá não mais saiu, no ano seguinte”, relembrou.

Então Coca passou a brincar em outro bumbá, o Garrote Malhado. O curral do Malhado era em frente à igreja de São José Operário, na rua Visconde de Porto Alegre, e pertencia aos irmãos maranhenses Raimundo Soeira e Manoel Sem Braço.

“O Manoel Sem Braço tocava um tambor, típico dos bois de então, com o único braço que tinha”, contou.

Surge o Brilhante

Por dez anos Coca integrou o Malhado que, por ser um garrote, onde geralmente só brincavam crianças e adolescentes, era chamado carinhosamente de Malhadinho.

“Em 1977 passei para o Corre Campo, da Cachoeirinha, que era um dos grandes da época e, dois anos depois, em 1979, foi fundado o Gitano, na Vila Mamão, também na Cachoeirinha, e eu mudei para lá onde brinquei até 1981”, contou.

Em 1982, como num estalo, Coca resolveu criar o próprio bumbá. Junto com alguns amigos colocou alguns nomes dentro de um saco e fizeram um sorteio. Saiu o nome Brilhante. Nascia ali mais um bumbá, em Manaus.

“O que caracteriza o Brilhante? Ele foi o último bumbá criado na linhagem tradicional dois bois de rua de Manaus e que, a partir de 1992, com a criação do Garanhão, de Educandos, passou a seguir o formato de apresentação de Garantido e Caprichoso, de Parintins”, explicou Raimundo Nonato Negrão Torres, folclorista e historiador.

Da mesma forma como bumbás eram criados, pelos mais diversos motivos deixavam de existir. Quando o Brilhante entrou no cenário folclórico de Manaus, já existiam o Mina de Ouro, Tira Teima, Diamante Negro, Campineiro, Garantido, Gitano, Corre Campo e Tira Prosa. Destes, ainda só se mantém o Corre Campo, fundado em 1942, e o Tira Prosa, de 1945.

“Não é fácil, e nunca foi, manter um bumbá. Para fazer o Brilhante existir tive que pedir ajuda a amigos, papelão, para fazer as fantasias, penas, adereços, e o próprio boi não foi barato. Na época só existia uma pessoa que construía todos os bumbás da cidade. Esse aqui já foi feito pelo pessoal de Parintins”, revelou.

Um novo boi

Coca tem orgulho de logo na primeira apresentação do Brilhante, em 1982, o bumbá ter ficado em 4º lugar, à frente de cinco outros grandes e experientes. Nos anos seguintes acumulou títulos. No último Festival realizado, em Manaus, em 2019, o Brilhante foi campeão.

“Amo esse boi mais do que tudo. Quando o primeiro modelo chegou, todo em veludo, eu e minha mulher dormimos no chão enquanto ele ficou comodamente agasalhado em nossa cama, admirado por nós. Já cheguei a vender um ônibus para ter dinheiro e ele pudesse brincar no Festival”, lembrou.

E o bumbá marrom, da Zona Leste, um dia já foi branco. Como ele era bastante parecido com o Corre Campo e o Tira Prosa, também brancos com detalhes em marrom, em 2005 Coca resolveu que o Brilhante seria totalmente marrom.

Um dia o Brilhante já foi branco – Foto: Divulgação

“Muitos dos brincantes antigos ficaram tão chateados com essa mudança, que se afastaram e disseram que não brincariam mais nele, mas foi só o Festival se aproximar e eles foram voltando e passaram a gostar do touro marrom. Maurício Filho, um dos grandes apoiadores nosso até foi embora, chateado, mas um dia apareceu em casa com uma grande caixa. Quando abri, o boi estava lá dentro. Ele mandara fazer um touro marrom e me deu de presente”, disse.

Pelo Brilhante, já passaram grandes nomes do boi. Arlindo Júnior, Klinger Araújo, Prince do Boi, entre outros, e José Ribamar da Silva, o Zé Preto, 92 anos, o amo mais antigo de Manaus ainda em atividade, é amo do Brilhante desde a sua criação.

 No Festival ninguém segura o touro marrom – Foto: Divulgação

Jovem até demais

“Muita ‘gente boa’ já passou pelo Brilhante ao longo desses quase 40 anos, mas não costumam falar disso. Daniela Tapajós, atual porta-estandarte do Garantido; e Isabele Nogueira, atual cunhã poranga, aprenderam aqui no Brilhante, mas não tem problema. Lá no fundo todos sabem que ajudaram, e foram ajudados, pelo touro marrom”, destacou.

Coca não sabe quanto tempo ainda vai manter a brincadeira do Brilhante. Seus filhos não têm interesse em continuar com o boi. As despesas são grandes a cada Festival e cada vez menos jovens querem se fantasiar de vaqueiros, rapazes e integrar as tribos indígenas. Para os itens, onde o destaque é maior, aparecem interessados, e alguns jovens até demais.

Coca, com doze anos, pronto para brincar no Caprichoso da Praça 14 – Foto: Divulgação

Kauã Richard Nascimento de Santana tem apenas dez anos e desde os cinco é o pajé mirim do Brilhante, único item ocupado por uma criança, lógico, além do adulto Rogério Monteiro.

“Edvar, o pai do Kauã, sempre foi um apaixonado pelo Brilhante, e nunca brincou no bumbá. Um dia ele me pediu que deixasse o filho ser pajé mirim do Brilhante. Eu concordei e desde 2016 o menino sai no boi”, falou Coca.

Kauã, dez anos, é o pajé mirim do Brilhante desde os cinco – Foto: Divulgação

“Meu pai me trouxe para brincar, eu gostei, e desde então sou o pajé mirim. Gosto de ser pajé e não sei por quanto tempo vou continuar. Enquanto for divertido, eu vou”, falou o menino.

“Espero que, assim como no Corre Campo, no Garanhão e no Tira Prosa, também no Brilhante apareçam pessoas interessadas em continuar com o boi de rua, para que a brincadeira nunca acabe”, finalizou Nonato.     

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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