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ARTIGO: Os efeitos da divisão técnica do trabalho sobre a formação e o trabalho do alfabetizador (Parte 2)

O alfabetizador já não mais precisa das capacidades e dos conhecimentos necessários para o fazer pedagógico porque suas possibilidades de tomar decisões foram limitadas pelo processo de desqualificação do posto de trabalho. O processo de desqualificação do posto de trabalho vê-se reforçado, além disso, pela divisão do trabalho docente, que se reflete tanto na parcelarização do conhecimento quanto nas funções que ele executa na escola: a primeira, pelo confinamento dos docentes em componentes curriculares e conjunto de conteúdos; a segunda pela delimitação das áreas de atuação: é o caso das habilitações oferecidas pelo curso de Pedagogia (orientação, administração e supervisão escolar etc.).
O processo de trabalho pedagógico, com essa nova organização do trabalho, é seccionado entre grupos e locais diferentes: alguns planejam, coordenam, concebem; a maioria, desapropriada da condição de professor, transformou-se em dadores de aula, pois, agora, sua tarefa é executar o que foi previsto pelos órgãos próprios do sistema. Ou, como já previa F. W. Taylor (1856* 1915†), de que havia necessidade de um departamento para fazer o pensamento dos homens, e uma quantidade de chefes para supervisionar e dirigir cada homem em seu trabalho, com base em que isso não tende a promover a independência, autoconfiança e criatividade do indivíduo.
Outro intelectual orgânico relacionado ao proletariado, Gaudêncio Frigotto (1947), ao criticar duramente o processo de simplificação do trabalho subsumido ao capital (movido pela acumulação, direcionado pela expansão), assim se expressa: se o objetivo do capital é reduzir o trabalho complexo a trabalho simples, e se isto implica numa desqualificação crescente do posto de trabalho para a grande maioria, como poderia a sociedade capitalista pensar numa elevação da qualificação para a massa de trabalhadores? Isso não atinge apenas os cursos profissionalizantes, mas essa tendência passa a ser cada dia mais dominante nos diferentes níveis de ensino.
O que Gaudêncio Frigotto tenta mostrar é que a divisão do trabalho, na medida em que torna o trabalhador coletivo, transforma-o cada vez mais desqualificado face à perda do controle do processo de trabalho. O professor é conduzido ao seu limite máximo que não é ter mais necessidade de qualquer habilitação, notadamente no que se refere à dimensão intelectual de seu trabalho. Maria de F. C. Félix diz que na sociedade capitalista, o sistema escolar tem suas funções definidas pela estrutura econômica por meio da mediação do Estado capitalista: a primeira dessas funções consiste “na preservação da divisão entre o trabalho manual e o trabalho intelectual que constitui a chave do processo de produção”.
Uma segunda função do sistema escolar reside no “aperfeiçoamento burocrático de sua estrutura de forma que passam a serem neutralizadas as forças antagônicas, mediante o estrito controle do processo educativo”. Uma terceira função está relacionada à criação de outras funções na escola, como, por exemplos, a administração escolar, a supervisão educacional etc.. O processo de criação de novas funções no interior da escola corresponde, em certa medida, a criação de novas funções no interior da organização do trabalho na esfera do modo de produção capitalista, por um lado, e, por outro lado, corresponde a complexificação da ciência enquanto atividade produtiva.
Isso significa que a escola vai se tornando um desdobramento das contradições da sociedade capitalista, que criam mecanismos de adequação e de submissão do trabalhador cada vez mais eficazes e que procuram dinamizar mecanismos já existentes. Não é função de o alfabetizador decidir o que e como produzir o ensino, pois ele apenas vende a sua força de trabalho, tendo em vista os efeitos da divisão técnica do trabalho sobre o processo de ensino. “Quando os indivíduos deixam de planejar e controlar uma grande porção de seu próprio trabalho, as habilidades essenciais para fazer essas tarefas de maneira correta atrofiam-se e são esquecidas”, como assevera M. W. Apple (1942).
M. W. Apple afirma, ainda, que em vez de professores profissionais que se importam muito com o que fazem e por que o fazem podemos ter executores alienados de planos alheios. Esse controle sobre o trabalho docente não se dá somente no que se refere ao planejamento do ensino, mas também sobre a metodologia de transmissão do conteúdo. Ora, se o alfabetizador do ensino não mais orienta o processo de produção pedagógico, como poderá definir o uso de materiais didáticos e métodos? Sem condições de produzir intelectualmente, o alfabetizador, por necessidade de sobrevivência, acaba se rendendo as mediações didáticas elaboradas por técnicos das Secretarias de Educação.
O processo de introdução da tecnologia na educação escolar, que permitiu e permite a produção de mediações didáticas cada vez mais sofisticadas, mudou totalmente as condições de trabalho do alfabetizador. O material está aí. O seu impacto no processo de escolarização dos pequenos (e dos adultos, no caso da Educação de Jovens e Adultos) facilitou a tarefa do alfabetizador, diminuiu a sua responsabilidade pela definição do processo de produção do ensino, preparou tudo (as respostas para o livro do educador), até vídeos destinados ao ensino de determinados tópicos do conteúdo programático de componentes curriculares dos currículos do ensino fundamental e médio.
O próprio processo de produção do ensino é prescrito por tecnocratas das Secretarias de Educação, o que reduz a abrangência do trabalho do alfabetizador. R. L. Wenzel afirma que o trabalho do educador está condicionado em termos de espaço físico, número de alunos em sala de aula, mesas, carteiras, luminosidade, barulho, etc.. O que isso significa? Significa que a própria distribuição de tarefas no decorrer do período do trabalho do alfabetizador e até mesmo os tempos de duração de cada atividade são fixados a priori, independente das condições físicas e psicológicas do educador e dos alunos. Nesta situação, o educador “depende da organização do trabalho e não vice-versa”.
O alfabetizador, com o advento das novas tecnologias, transformou-se num mero manipulador de equipamentos e materiais instrucionais: o uso do livro didático, que se tornou material exclusivo tanto para o docente quanto para o discente, é um exemplo dessa desqualificação. Sobre isso Álvaro M. Hypólito, assim se expressa: no caso do livro didático, grandes indústrias do livro compilam um conhecimento, exploram os autores e orientam em muito o trabalho de sala de aula. Muitos professores, incentivados pelo sistema, seguem linearmente os livros didáticos. Essa é uma das formas de o capital exercer o domínio sobre o conteúdo e a forma da educação escolar.
Uma das consequências da desqualificação do posto de trabalho é que o poder de escolher o material didático, que melhor atenda aos interesses e necessidades do docente e dos discentes, fora transferido para as grandes indústrias do livro didático (e paradidático), uma vez que estas é que decidem o que ensinar e como ensinar. É como afirma Barbara Freitag Rouanet: o modelo de escolha do livro didático assemelha-se mais ao francês ou alemão, onde a produção, desde a formulação de seus conteúdos, até sua confecção técnica, é assegurada por editores particulares, dos quais o Estado compra o produto pronto, depois de ter passado pelo crivo das comissões de avaliação.
Neste aspecto da desqualificação, pode-se dizer também que quando a tecnologia incorpora o trabalho coletivo dos educadores, o trabalho do alfabetizador é subsumido pela própria tecnologia, mas isso é assunto da nossa próxima reflexão sociofilosófica, ou se quiserem reflexão filosociológica. Não perca!

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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