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“A solução não está em abolir o plástico” diz a engenheira Alessandra Zambaldi

No mundo moderno, o plástico é visto sob duas óticas: uma matéria-prima imprescindível, de baixo custo, com a qual se pode fazer qualquer objeto. Por outro lado, se fabrica tanto plástico no mundo, que ele pode ser encontrado em qualquer canto do planeta se tornando um poderoso poluidor. O Jornal do Commercio ouviu a engenheira química Alessandra Zambaldi, diretora de Comércio Exterior, da Alpfilm, indústria e comércio de plásticos, que adiantou qual deve ser o futuro do plástico.

Jornal do Commercio: Afinal de contas, o plástico é mocinho ou bandido, ou as duas coisas?

Alessandra Zambaldi: Sem o plástico, diversos objetos e até mesmo algumas tecnologias que foram desenvolvidas no último século sequer existiriam. O material é utilizado em diversos segmentos da indústria como construção civil, eletrônica, embalagens e outras, devido a vantagens como facilidade de transporte e de processamento. A grande variedade de formas em que pode ser reciclado também precisa ser vista como um benefício do material. Nos hospitais e laboratórios, o plástico está sendo utilizado em grande escala em máscaras, luvas, seringas, tubos de ensaio, cateteres e outros produtos como bolsas de sangue. Além disso, aditivos que inativam o Sars-Cov-2 inseridos a produtos plásticos permitiram que diversos objetos e superfícies com as quais as pessoas têm contato diário em lugares públicos e em suas casas oferecessem uma barreira extra de segurança contra a doença. Esse é o caso do Alpfilm Protect que já contava com propriedades antifúngicas e bactericidas graças à presença de micropartículas de prata e que, com a pandemia, passou por uma série de estudos para adequações em sua composição. No espaço doméstico, o plástico foi o material que mais entrou nas casas, transportando água e alimentos. Também podemos encontrar o material em máscaras n95. Com o plástico é possível vedar produtos e alimentos, o que evita a degradação rápida da comida, além da contaminação por doenças. A solução mais efetiva não está em abolir o plástico das nossas vidas, e sim construir uma política sólida e efetiva sobre o processo de reciclagem do material, protegendo os consumidores e o meio ambiente.

JC: Como o ser humano conseguiu inventar algo que pode durar centenas de anos?

AZ: O interesse em fazer plásticos surgiu em 1.800, para substituir materiais escassos, como marfim e casco de tartaruga. O desenvolvimento dos plásticos começou com o uso de materiais naturais que possuíam propriedades plásticas intrínsecas, como goma-laca e goma de mascar. O próximo passo na evolução dos plásticos envolveu a modificação química de materiais naturais como borracha, nitrocelulose, colágeno e galalith. Finalmente, a ampla gama de materiais totalmente sintéticos que reconheceríamos como plásticos modernos começou a ser desenvolvida há cerca de 100 anos.

JC: Como se sabe que o plástico pode durar centenas de anos se sua invenção tem apenas 114 anos?

AZ: Há muitos estudos científicos que atestam a durabilidade do plástico, no entanto não se pode afirmar com precisão a quantidade exata de anos. Dados do Ministério do Meio Ambiente mostram que o plástico pode levar mais de 400 anos para se decompor. O saco plástico pode levar 20 anos; canudo, 200 anos; garrafa plástica, 450 anos. Essas estimativas são aferidas com base em estudos científicos que projetam como a natureza pode decompor o material. Bactérias e fungos presentes na nossa atmosfera não desenvolveram enzimas capazes de degradar com maior celeridade o plástico. Por isso sua durabilidade é alta.

JC: A única maneira de dominar a ‘invasão’ dos plásticos é reaproveitá-los, reciclando-os?

AZ: A reciclagem é o principal método para fazer uso inteligente dos plásticos. Algumas características do plástico o tornam muito vantajoso para reaproveitamento tais como: excelente processabilidade, força e resistência, durabilidade e longa vida, baixo peso, excelente barreira contra água e gases, resistência à maioria dos agentes químicos e, uma das principais: baixo custo. Quando reciclado, o plástico pode se tornar uma infinidade de novos materiais como novas garrafas e recipientes, peças de decoração, mesas de piquenique, móveis de jardim, equipamentos de playground, lixeiras para reciclagem, mangueiras, solados de sapatos e muito mais. No México, uma startup (EcoDomum) está construindo casas a partir de materiais plásticos que iriam para o lixo. Uma iniciativa da empresa escocesa MacRebur está permitindo que se economize milhões em reparos de estradas usando plástico derretido para tapar os buracos das vias.

JC: Fazer a população mundial direcionar plásticos para reciclagem não será uma tarefa fácil, você concorda?

AZ: Qualquer tipo de mudança comportamental em uma sociedade depende de uma readaptação às necessidades que vão surgindo com os anos. A reciclagem é uma necessidade no mundo moderno, que gradativamente vem sendo compreendida e praticada, mas isso não depende apenas da população. Para resolver a questão ambiental do plástico, é preciso melhorar a qualidade das práticas de gestão de resíduos, produzir materiais que tenham o menor impacto ambiental possível, investir em coleta adequada e incentivar a reciclagem disponibilizando locais especializados acessíveis para que a população possa fazer o descarte do material que utiliza em seu dia a dia.

JC: Por que os produtos anunciados como ‘biodegradáveis’, ou ‘compostáveis’, podem ter seu destino final mais complicado que o do plástico?

AZ: Esses produtos, na grande maioria das vezes, se degradam apenas em condições especiais e isso pode complicar os esforços de reciclagem. Aquele copo de café que possui logotipo indicando ser biodegradável não vai se decompor entre os compostos orgânicos que as pessoas têm em casa, mas, para se degradar adequadamente, precisará ser separado e enviado para instalações de compostagem industrial. O processo de compostagem industrial envolve alto calor e umidade precisamente controladas, entre outras condições, e não está disponível na maior parte do país. Já se este lixo for parar em um aterro, ficará lá por muito tempo, porque é improvável que seja exposto a condições que ajudariam a se decompor já que não vai existir oxigênio, pois os materiais vão sendo compactados. Por isso é possível afirmar que no local a compostagem não poderá acontecer. Além disso, a produção de itens compostáveis consome mais recursos, cria mais resíduos (já que não se decompõe facilmente ou somente em condições especiais) e por isso resulta em mais poluição do que a produção de itens plásticos descartáveis.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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