“Mais longe já tivemos na desconstrução desta equação perversa que rebaixa a população da Amazônia a IDHs deploráveis a despeito da potencialidades naturais imensuráveis. Compete a nós apontar e desmontar a distorção inaceitável que transformou o Amazonas num dos maiores contribuintes da Receita. Entre os vacilos, este é o mais aloprado e omitido da gestão federal, responsável pelo atraso da bioeconomia e do desenvolvimento regional.”
Por Alfredo Lopes – Coluna follow-up – Portal BrasilAmazoniaAgora
A economia da Amazônia, que espalha esforços de redução das desigualdades regionais, a partir de sua planta industrial, tem sido alvo de muitas sugestões, muitas delas óbvias, como a diversificação na direção da floresta, outras nem tanto como o desmatamento na perspectiva da agropecuária. A bioeconomia ganha de goleada entre os demais palpites, mesmo assim não deslancha na proporção da obviedade e pressão de alguns gestores mais qualificados. Vamos listar aqui algumas razões deste atraso na interiorização do desenvolvimento sustentável da Amazônia.
- O grande vacilo já tem mais de um século. De 45% do PIB brasileiro que era formado pela economia do látex, restou o Teatro Amazonas em Manaus e Teatro da Paz, em Belém, para não contar a história de uma pujança interrompida pelo infortúnio da negligência federal. Da exuberância simbolizada pela Ópera na Floresta sobrou o banzo das ruínas de cidades que foram pioneiras em luz elétrica, telefonia e outras veleidades da burguesia tropical. O Brasil, ainda com mentalidade latifundiária, escravista e monarquista/colonialista, na virada para o Século XX, não se deu conta que éramos o único lugar do mundo a produzir a borracha dos pneus para atender a revolução automobilística que começava a se instalar. A bioeconomia da Amazônia perdeu sua grande oportunidade mundial.
- Nesse vaivém ao Novo Mundo, ávido pelo Eldorado em seus vários sentidos e escambos, os viajantes europeus trataram de saquear a biodiversidade da Amazônia, terra de ninguém, uma região que, cinco séculos depois do desembarque das caravelas do Velho Mundo, segue saqueada. E mal tratada dos mais diversos modos de apropriação indevida mediante a passividade e cumplicidade da soberania irracional. Constam mais de 200 mil espécies amazônicas que hoje são mantidas em estufas e acervos dos museus botânicos e institutos de pesquisa e desenvolvimento de Além-Mar. Por que os cientistas dizem que 20% da biodiversidade tropical está presente na produção da indústria farmacêutica e por que o Brasil não tem essa indústria estruturada?
- Um dos exemplos dessa flora que se vai a espalhar glamour e plata se refere às orquídeas da Amazônia, especialmente do Rio Negro, no Estado do Amazonas, de onde foram coletadas mais de 70% das espécies mais raras e preciosas do botânica glamurosa universal. Alguma delas estão presentes no livro Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão Pará, rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, 1783-1792, de Alexandre Rodrigues Ferreira, um luso-baiano que veio para a Amazônia, a serviço de Maria I, no Século XVIII, para inventariar o patrimônio natural, cultural e mineral dos domínios mais cobiçados pelo Velho Continente. Essa obra está na Biblioteca Pública do Amazonas entre outras preciosidades que relatam uma riqueza que são confiscadas com nossa cumplicidade passiva.
- Foram inúmeras e inócuas as tentativas do Amazonas, empresários e investidores, e da própria Suframa, órgão gestor e indutor do desenvolvimento, para diversificar a economia da ZFM, a Zona Franca de Manaus. A primeira tentativa obrigava as empresas do Polo Industrial de Manaus a manter uma atividade econômica no setor primário, para fomentar uma economia regional que pudesse produzir insumos industriais. Não deu certo. No final dos anos 90, se deu a criação do CBA, Centro de Biotecnologia da Amazônia, pago pela indústria, com as taxas recolhidas junto à Suframa. No papel, um sonho de projeto, na prática, uma embromação típica, inerente à inépcia federal e sua anomia no trato da Amazônia. Foram 20 anos de trapalhadas em profusão. Estamos, nesta data, a menos de um mês do Decreto do governo Lula, de qualificação do CBA, como Organização Social. Quanto tempo perdido quanto benefícios frustrados e empregos fraudados.
- A Ciência garante que cem produtos da biodiversidade amazônica são capazes de, em dez anos, fazer brotar uma economia duas vezes maior do que a performance financeira do agronegócio. Uma atividade não exclui a outra, elas se fortalecem mutuamente e corrigem eventuais distorções de parte a parte. A bioeconomia implica em manter a floresta em pé como condição de sobrevivência e robustez biológica. E assim assegura os recursos hídricos dos rios voadores a hidratar a agricultura do Centro-Oeste.
Nenhum aproveitamento desses vacilos, entretanto, seria capaz, isoladamente, de substituir o patamar alcançado pela economia da ZFM, uma grande fábrica de geração de riqueza para o Brasil. Essa fábrica, no curto e médio prazo, é o sustento das iniciativas ainda tímidas que começam a empinar a Bioeconomia com recursos repassados pelas empresas do Polo Industrial de Manaus. Trata-se do PPBio, um programa prioritário de bioeconomia, gerenciado com acertos e avanços pelo IDESAM que fomenta atividades econômicas baseadas no aproveitamento científico e tecnológico da biodiversidade: oleaginosas, piscicultura, fruticultura, açaí, buriti, cacau, castanha, café orgânico etc. etc… Os recursos aqui aplicados ainda são tímidos mas não são modestos em sua geração e obrigação de remessa aos cofres da União. Mais longe já tivemos na desconstrução desta equação perversa que rebaixa a população da Amazônia a IDHs deploráveis a despeito da potencialidades naturais imensuráveis. Compete a nós apontar e desmontar a distorção inaceitável que transformou o Amazonas num dos maiores contribuintes da Receita. Entre os vacilos, este é o mais aloprado e omitido da gestão federal, responsável pelo atraso da bioeconomia e do desenvolvimento regional.
(*) Alfredo é filósofo, escritor e consultor do CIEAM, editor geral do portal BrasilAmazoniaAgora