Esse “Quarto Estado”, formado pela população trabalhadora das cidades, especialmente em Paris, estava destinado a cumprir significativa presença depois de 1789, quando nada por estarem seus membros mais desejosos do que a burguesia de arriscar as cabeças nos conflitos de rua. Sucede, para o sucesso da Revolução, nenhuma brecha ocorreu abertamente entre o Terceiro Estado e o chamado “Quarto”. A classe trabalhadora estava ainda muito longe de emergir como força política separada, com seus próprios líderes e seu programa próprio de reforma social. Algumas demonstrações de massa e violências de multidão por vezes exerceram pressão sobre os líderes revolucionários burgueses, mas, em geral, o Quarto Estado serviu como ala avançada e força de choque da burguesia, em lugar de rivalizar com ela pelo poder.
Não foi, contudo, o Terceiro Estado quem abriu as portas à Revolução. Sim a aristocracia. É que durante séculos os nobres amargaram sua perda de poder político em prol da monarquia absoluta e, encorajados por escritos de Montesquieu, tinham procurado compartilhar com o rei do controle do Estado. Quando, afinal, Luís XVI escorregou em desesperado pantanal financeiro, a nobreza julgou que sua oportunidade havia chegado.
Em 1787, o governo foi forçado a considerar medidas extremas, pois o auxílio financeiro que a França dera aos revolucionários norte-americanos depois de 1778, acrescentado às dívidas que se haviam empilhado num século de extravagâncias reais, conduzira o governo à beira da bancarrota. Em 1778-1788, o rei tentou mais uma vez impor tributos sobre as classes privilegiadas, mas seus esforços suscitaram alto clamor dos nobres, que se apresentaram como advogados de uma monarquia constitucional e pediram que se convocassem os Estados Gerais para examinar o problema financeiro. Após certa hesitação, Luís XVI aceitou a ideia.
A decisão produziu universal entusiasmo – e generalizada confusão. É que os Estados Gerais eram a coisa mais próxima de um parlamento que a França já tivera, mas sua última reunião se dera em 1614, muito antes da época de qualquer francês vivo em 1789. Foi necessário rebuscar muito nos arquivos para poder-se elaborar um sistema de eleições. Por fim anunciou-se que cada um dos três estados – clero, nobreza e povo comum – escolheria seus próprios deputados. Ao Terceiro Estado tinham-se destinado uns 600 representantes e uns 300 foram designados para cada uma das outras duas ordens. O sufrágio era assegurado a todos os franceses cujos nomes aparecessem nas relações de impostos.
Além de obter o direito de eleger seus representantes, os votantes em cada distrito estavam autorizados a elaborar um cahier, ou petição ao rei apresentando suas queixas e desejos. Esses cahiers fornecem notável visão em profundidade da opinião francesa na véspera da Revolução. Embora nem um só cahier expressasse sentimentos subversivos ou antimonarquistas, só os do Terceiro Estado revelam claramente o profundo descontentamento das massas camponesas e citadinas esboçam o programa de reforma da classe média.
Os cahies do Terceiro Estado manifestam o desejo de limitações ao poder da monarquia, de reformas na Igreja, de mais equitativa distribuição dos tributos e de pôr termo aos privilégios sociais da nobreza. Havia também amplamente difundida exigência de reforma judiciária, de maior autonomia dos governos locais e de garantias às liberdades civis. Os cahiers elaborados pela nobreza e pelo clero mostravam certa simpatia pela ideia de uma monarquia limitada, mas pouco entusiasmo pela igualdade social. (Continua)