Vivemos em tempos de informações fragmentadas, espalhadas na internet. Notícias verdadeiras e notícias falsas. Fatos parcialmente verdadeiros e falsos. Realidade escamoteada pela virtualidade das redes sociais. A comunicação caotizada, com a segurança das informações se esvaindo como água dentre nossos dedos. O que parece verdade agora, logo depois pode se tornar mentira. E vice-versa.
Reputações podem ser construídas –e destruídas- da noite para o dia. E o que se pode fazer diante dessa ferocidade crítica que ameaça destruir o próprio sentido da democracia, com as tecnologias à serviço dos intuitos de quem deseja se apossar do poder a qualquer custo?
O extremismo na internet se serve de qualquer bandeira e utiliza qualquer narrativa que sirva aos seus objetivos. As narrativas podem ser absurdas, mas parecem valer mais do que os fatos. Os valores se invertem e a desonestidade se transveste de honestidade.
A mentira é apenas parte de uma estratégia para desacreditar adversários e exaltar aliados. Se é desmascarada é trocada por outra mentira, mais ou menos disfarçada. Observa-se uma guerra virtual, em que o “vale tudo” tenta se impor, sob o pretexto de um bem maior para a maioria, mas certamente um bem ilusório, de faz de conta.
Alguns fatores contribuem para este caos. o descrédito do sistema político, ouso dizer, de modo mais amplo, a perda de credibilidade do sistema estatal, legislativo, executivo e judiciário, junto a grande parte da população. Assim, se há um desapontamento geral com os atores políticos, suas promessas não cumpridas, denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito, isso atinge o próprio cerne da democracia representativa.
Por conta da decepção com os atos oriundos dos poderes da República, se desacredita no próprio sistema. Essa decepção se amplia com a constatação de privilégios que contrastam com as difíceis, muitas vezes dificílimas condições de sobrevivência de dezenas de milhões de brasileiros. Como justificar benesses exageradas para uma pequena camada de pessoas no “topo” do poder estatal enquanto a base da sociedade convive com o desemprego, a violência, o atendimento deficiente nos serviços públicos e outras graves mazelas?
Outro fator é a liberalidade e facilidade de expressão quase absoluta na internet. Mentiras, calúnias e injúrias são espalhadas com velocidade enquanto a verdade caminha de modo lento. E grande parte das verdades se mistura com as fakes news… A tal ponto que fica difícil distinguir no que se deve acreditar. Um problemão, apesar dos esforços de serviços que se dedicam a separar o joio do trigo, o falso do verdadeiro.
Além disso, há a predisposição de muita gente em acreditar em notícias sensacionalistas, sem fazer o devido crivo, desde que essas notícias satisfaçam seus pontos de vista. Ou seja, se “fala-se mal” do que ou de quem não se aprecia, bate-se palmas, pouco importando a veracidade. Isso destrói a ética de respeito ao próximo. Elege o ódio e o rancor como requisitos de narrativas que agradam ao ego do receptor e possível disseminador das falsas informações.
Não existem antídotos fáceis para o território da hipocrisia disfarçada de boas intenções, menos ainda para a ira insana disfarçada de ira divina. Assim, narrativas extremistas de campos adversários podem ser muito semelhantes. E o mundo real é transformado em mundo irreal, desde que adaptado à maneira de pensar de quem o percebe.
Acredito que um dos pressupostos para iniciar a mudança dessa triste e perigosa situação é o de que os privilegiados no poder façam sua autocrítica. Diminuir os próprios privilégios pode ser difícil, prevenir e combater a corrupção, mais ainda. Só que pior do que isso é continuar colocando em risco as conquistas da democracia sem validá-las por bons exemplos e boas práticas.
Há um enorme vazio de credibilidade por falta de coerência e de espírito de solidariedade de muitos que representam o Poder Estatal, diante da pobreza e da miséria de tantos brasileiros. Ou a democracia se fortalece por seus méritos, com a predominância da ética do bem comum, ou o ódio e as mentiras da internet podem devorá-la, misturando bons e maus políticos, magistrados sérios e os não republicanos numa mesma vala comum de absoluto descrédito.