10 de dezembro de 2024

PERDÃO E SAÚDE MENTAL

Não há religião do bem que não pregue o perdão. Contudo, para além de uma virtude –das mais louváveis –de quem busca maior proximidade com Deus, o perdão constitui componente importantíssimo para a nossa saúde mental. 

Perdoar, de acordo com o senso comum, seria liberar inteiramente de culpa quem nos fez mal. Ademais, costuma-se acreditar que quem perdoa deve esquecer completamente a dor sofrida e, necessariamente, reconciliar-se com seu agressor. São distorções cognitivas que merecem ser elucidadas.

Representa o perdão, antes de tudo, um sentimento de libertação própria. É o abandono da mágoa, da animosidade, do rancor, de qualquer desejo de vingança diante de quem possa ter cometido falta grave contra nós. Perdoar não significa, absolutamente, ter de passar a conviver com quem nos fez ou nos quer mal, trazê-lo para a nossa vida íntima.

Certamente, perdoar é muito difícil. Tão difícil que, não por outra razão, as religiões justificadamente revestem o ato de um aspecto divino, apresentando-o como forma de amor ao próximo. Mais ainda: uma condição para que possam ser perdoadas por Deus as ofensas que, na nossa imperfeição humana, também já lançamos contra nossos semelhantes.

Por outro lado, sem prejuízo da conotação religiosa, altruísta, para a Psicologia o perdão é também um ato de amor-próprio e de vital importância para nossa saúde emocional. Perdoar permite-nos sair do trauma e voltar à vida.

Estudos da área de Saúde Mental revelam que o perdão melhora o estado de humor, aumenta o otimismo e, assim, funciona como profilaxia dos transtornos mentais, tais como depressão e ansiedade.

Outra crença muito comum e igualmente distorcida é a de que perdoar requereria o pedido do perdão pelo ofensor. Não  é verdade. O perdão é, antes de tudo, um sentimento de quem perdoa, sem qualquer relação com o outro. Assim, para perdoar alguém, basta que eu assim decida, sem necessitar envolver o autor da ofensa.

Surge então a grande dúvida: como perdoar? O psicólogo Robert Enright, um dos pioneiros no estudo científico do perdão, propõe quatro etapas nesse caminho: a primeira é descobrir a raiva, explorando como a emoção foi evitada ou tratada; a segunda é tomar a decisão de perdoar; a terceira é cultivar o perdão,  desenvolvendo empatia e compaixão; por último, é essencial liberar as emoções nocivas e observar o bem-estar se instalando, o encontro da paz merecida a partir da experiência, do ato de perdoar.

Por fim, é indispensável ter em mente que perdoar a outras pessoas não se torna possível se não soubermos perdoar a nós mesmos. É aqui que começa todo o exercício do perdão, embora para muitos o desafio do autoperdão se apresente infinitamente maior do que o de perdoar aos outros. Devemos lembrar que não somos hoje quem fomos ontem, avaliar os motivos que nos levaram a agir de determinada maneira diante de certas situações… tais reflexões, em muitos casos, aliadas às experiências e à vivência que conseguimos acumular com o passar do tempo, nos permitirão compreender as atitudes do passado, reconhecer os erros pretéritos e concluir que hoje agiríamos de outra maneira.    

Perdoar é preciso, seja sob o prisma religioso, seja em prol da saúde mental. Os benefícios advindos do ato de perdoar, por qualquer ângulo, são inegáveis. Nesse contexto, emerge a psicoterapia como um auxílio relevante, por vezes essencial, para o enfrentamento do processo pela busca do autoperdão e do perdão aos outros, com todos os respectivos desafios. 

Karina Bessa

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