9 de dezembro de 2024

O poder político da suprema corte

Breno Rodrigo de Messias Leite*

A recente indicação do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal escancara um dilema fundamental: a Suprema Corte tornou-se definitivamente uma arena política? A resposta a esta questão apresenta duas considerações importantes. Por um lado, os defensores árduos da expansão do ativismo judicial e, por outro, os adeptos de uma doutrina de autocontenção por parte dos Ministros.

A tese do ativismo judicial acredita no fortalecimento institucional do Supremo Tribunal Federal como uma instância reformista da agenda pública, provedora de direitos universais e contramajoritária vis-à-vis o Executivo e o Legislativo, estes mais responsivos ao controle do eleitorado. Já a segunda tese é uma aposta fundamentalmente legalista, segundo a qual o direito e a política são antípodas na pairagem institucional. A proposta da autocontenção, portanto, é essencialmente legalista e pluralista na interpretação do texto constitucional.   

Em termos constitucionais, um candidato a Ministro do Supremo Tribunal Federal precisa ser brasileiro nato (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), ter entre 35 e 70 anos de idade, possuir notável “saber jurídico” e “reputação ilibada” (art. 101 da CF/1988), o que pressupõe uma formação acadêmica em Direito e uma carreira jurídica de destaque. A indicação é uma prerrogativa do Presidente da República e a sua aprovação se dá por maioria absoluta em votação do Senado Federal.

Em termos políticos, o processo decisório para a indicação e escolha de um Ministro para uma cadeira no STF é definida a partir de um consenso mínimo entre os principais atores dos três poderes: o Presidente da República avalia e indica o seu nome de preferência; os Ministros da Suprema Corte ventilam e patrocinam outros ou convergem com a indicação presidencial; e os Senadores sabatinam, aprovam ou desaprovam o candidato. O sistema de separação de poderes torna-se funcional quando as competências jurídicas e políticas são devidamente respeitadas. Em alguns casos, a indicação passa pela avaliação das lideranças partidárias, dos governadores e do empresariado. Os pontos de veto são negociados, acordos são firmados e o nome avança ou encontra obstáculos no processo de negociação. 

É bom que se diga que a Constituição de 1988 ampliou consideravelmente as atribuições do Poder Judiciário, como um todo, e do Ministério Público, em particular. O novo desenho institucional tornou-se um terreno fértil para o exercício do ativismo judicial. A politização da justiça e a judicialização da política são fenômenos próprios do ativismo judicial prescritos na Constituição de 1988. Assim, atores jurídicos atravessaram a rua e passam a fazer militância política com certa regularidade. As decisões das Cortes Supremas, hoje, são eivadas de interesses políticos e ideológicos.

Um chefe de governo normalmente emula o seu perfil e a sua preferência ideológica em outras instituições. Presidentes mais conservadores tendem a indicar candidatos mais conservadores; e algo semelhante ocorre em relação aos Presidentes mais progressistas na indicação de seus indicados. Nos Estados Unidos, o Presidente da República também possui tal competência. Lá, juízes são republicanos (conservadores) ou democratas (progressistas). Aliás, o sistema de justiça no Brasil – A Suprema Corte, em particular – tem como inspiração o sistema norte-americano. E tanto lá como cá, o neoconstitucionalismo domina a agenda decisória da Suprema Corte. 

Lula é um político tradicional. Nunca foi partidário do ativismo judicial. Atores estratégicos, como Lula, preferem jogar e fortalecer a sua própria arena de atuação – o Poder Executivo, por exemplo – a ter que redistribuir poder para outras arenas, ampliando assim o grau de incerteza no resultado do jogo. Todavia, diante do cenário de expansão do ativismo judicial das últimas décadas, Lula certamente optou por ter sua reserva de poder lá também. A decisão de Lula parece obedecer esta racionalidade.    

Hoje, o STF é majoritariamente progressista e alinhado à agenda governista. Até o momento, a interlocução entre os poderes parece demonstrar tal convergência. Outro ponto favorável é o fato de o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, ter tido muitos atritos com o STF, sobretudo com o Ministro Alexandre de Moraes. Flávio Dino, o indicado de Lula para a vaga da Ministra Rosa Weber, é uma liderança política incontestável. Já foi Deputado Federal e Senador eleito (Legislativo), Governador do Maranhão (Executivo) e Juiz de Direito (Judiciário). Ou seja, transitou pelos três poderes. Uma vez aprovado, poderá fortalecer ainda mais o braço político do STF.

A aliança Lula-STF dobrou a aposta e isolou ainda mais a aliança Bolsonaro-FFAA. Parecem-me que estas são as duas rivalidades substantivas no jogo pelo poder no Brasil. A expansão do ativismo do Judiciário brasileiro não encontra paralelos no mundo das democracias. Além do poder discricionário, burocraticamente isolado e nada responsivo, o Poder Judiciário possui um volume orçamentário proporcionalmente superior a de seus homólogos mundo afora. Os limites do poder do Poder Judiciário precisam entrar com urgência no debate público nacional. 

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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