26 de julho de 2024
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O espectro tenentista – parte I

Um espectro ronda o Brasil, o espectro do tenentismo. Sim, o Brasil é país que dá muitas voltas em sua história, como um Ouroboros, a imagem da serpente que tenta engolir a sua própria calda na simbologia ocultista. Assim, revistar a história nacional, de tempos em tempos, é uma garantia de que poderemos pescar algum fato lá do passado que nos ajuda a entender o que está acontecendo hoje, diante dos nossos olhos.

Consciente ou não, o bolsonarismo traz na sua alma as maquinações tenentistas. Mas afinal de contas, o que foi o tenentismo? O movimento tenentista nasce nos anos 20 do século passado. O termo tenentista é derivado do posto ou cargo de chefia que forma o oficialato das Forças Armadas e as forças de segurança dos estados das unidades federativas. O significado político do tenentismo é amplo e abarca não só os tenentes, como também outras patentes – inferiores ou médias na hierarquia castrense, o que incluía capitães, majores e coronéis –, que se diferenciam das patentes superiores, particularmente da dos generais.

O tenentismo se tornou um movimento político contestador das instituições políticas da República Velha, na medida em que tentava impulsionar transformações sociais, políticas e econômicas profundas. Em certo sentido, o tenentismo é um espírito de revolta contra as elites civis; indiretamente, é um grito de revolta contra o status quo e os seus superiores hierárquicos, o generalato. Em outros termos, a luta pelo poder entre oficialato e generalato é uma constante no interior do aparato militar.

O tenentismo foi responsável por alguns eventos disruptivos que marcaram a história do país: Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana, Revolta Paulista, Comuna de Manaus, Coluna Prestes, entre outros. As revoltas tinham como objetivo questionar as elites locais, promover reformas profundas e fazer aquilo que considero o maior legado positivo do tenentismo: incentivar uma visão geral e integradora do Brasil.

Nos manifestos tenentistas, as ideias eram claras: queriam “lutar pela verdade eleitoral, pelo amor à pátria, pela proteção fraternal ao povo, contra a corrupção política, pelo voto secreto, pela reforma constitucional, pela restauração da honra militar, contra o servilismo das Forças Armadas aos interesses políticos, por um Poder Judiciário independente, pela derrubada do governo Artur Bernardes, pelo fim do Estado de Sítio, pela restauração das liberdades públicas, por reformas sociais, pela defesa do capital nacional frente ao capital estrangeiro.” O discurso acima pode ser tudo, menos démodé.

O tenentismo emprega o reformismo radical como meio de ação; e, por isso mesmo, é uma síntese confusa de um projeto de poder. Uma espécie de salvacionismo redentorista, crente no poder do Estado e das suas armas na promoção das reformas para a construção de um país melhor. Como consequência – e impactado pelas batalhas ideológicas e políticas do século XX – o tenentismo tornou-se difuso e fragmentado a ponto de entrar em rota de colisão com as suas origens e bandeiras históricas.

Em suma, o tenentismo pode ser entendido como síntese confusa de um liberalismo corporativista e anti-federalista, isto é, um progresso sem ordem, uma ordem sem progresso. E é perfeitamente possível identificar tais tendências no esquema de poder do bolsonarismo. Aliás, Bolsonaro já foi um capitão, um rebelde banido do Exército e hoje é presidente da República. Bolsonaro é a encarnação integral do projeto tenentista.

P.S.: no artigo da próxima semana, identificarei as consequências do tenentismo no núcleo ideológico do bolsonarismo.

*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político

Fonte: Breno Rodrigo

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