13 de dezembro de 2024

Narrativas

Há quem acredite estar sempre certo. Como se tivesse o dom da infalibilidade. No entanto, as pessoas não são infalíveis e podem se enganar, embora possam não reconhecer – ou custem muito a reconhecer – seus erros. Que tem consequências.

Durante esta pandemia houve muitas narrativas que se tornaram referenciais. Uma delas a de que o uso de máscaras seria inútil, até prejudicial. Outra, a de que de nada adiantaria adotar medidas de distanciamento social, evitando proximidades e aglomerações. Essas afirmações equivocadas certamente contribuíram para o aumento do número de contaminações e de consequentes mortes pela Covid 19.

Outras narrativas, por exemplo contra as vacinas, contemplavam – ainda contemplam – argumentos “pseudo”científicos e até religiosos, que vão de implante disfarçado de chips à espíritos malignos nas pessoas que são vacinadas, passando por perigos imaginários e reações fatais para muitos. Essas narrativas afastaram da imunização muitas pessoas que se deixaram impressionar por elas e também contribuíram para o aumento do número de casos, inclusive os letais, tanto no Brasil quanto em outros locais do mundo.

Na Política há narrativas que impressionam por sua impulsão fantástica nas redes sociais. Uma delas é a de que os regimes autoritários seriam infensos à corrupção e as democracias muito mais suscetíveis a ela. Trata-se da tentativa do contrário ideológico, como quando a direita afirma que toda esquerda é corrupta; no contraponto, quando esquerdistas afirmam que todos os direitistas seriam desonestos. Essa “perfeição ideológica” não passa de um ilusionismo que infelizmente engana a muitos, adeptos de qualquer ideologia.

Na Religião não é muito diferente, quando líderes de determinadas igrejas as intitulam como detentoras da verdade absoluta sobre Deus e Seus desígnios e rotula os que tem credos diferentes como falsos apóstolos. O uso do Santo Nome de Deus em Vão é uma tentação perigosa para os crentes, mas pode ocorrer sem que percebamos. E ganhar roupagem de defesa da moral e dos bons costumes, de um lado, ou da devassidão e anarquia comportamental, de outro.

No Brasil impressionam as narrativas fundamentadas em argumentos e/ou interpretações distorcidas de fatos. Também impressiona a necessidade que diversas pessoas têm de justificar sua atitude de agressividade, ódio e intolerância sob o pretexto de defender “verdades absolutas”.

Acredito que não haja verdades absolutas nas narrativas que partem do pressuposto de serem absolutamente verdadeiras. Elas já trazem em si o germe da falácia preponderando sobre a realidade das coisas, dos seres humanos, da própria vida.

Sei que sou um ser humano limitado e imperfeito. Que não sou completo e posso errar, mesmo que esteja bem-intencionado. Penso que esta percepção pode ajudar a me tornar um ser humano melhor, um cidadão mais consciente de deveres e direitos, mais humilde, compreensivo e ético. Não significa ser santo, tampouco super-herói. Mas simplesmente um ser humano mais humano.

Essas narrativas da verdade total me parecem efetivamente “um atraso de vida”. Não desejo julgar as pessoas como dono de uma razão infalível, com base nas suas opiniões políticas, religiosas ou morais. Prefiro que a regra comum de diversas espiritualidades, a de não fazer com o outro, o que não desejo que façam comigo, seja base de relacionamentos respeitosos entre todos nós. A partir do respeito, podemos alcançar um patamar superior, a de sermos uma sociedade fraterna, que sabe concordar e discordar sem violência e busca no direito, no amor ao próximo, na boa vontade, estabelecer as regras de convivência e de limites comportamentais.

Tenho esperança de que possamos construir melhores relacionamentos por meio de diálogos e não de imposições. 

Luiz Castro

Advogado, professor e consultor

Veja também

Pesquisar