8 de outubro de 2024

Câmbio com medo

Convivendo até bem pouco tempo com problemas de natureza cambial, pela falta de divisas necessárias, o Brasil permanece com uma cultura restritiva a tudo que se relacione à comércio exterior, tarifas alfandegárias e à burocracia bancária para compra e venda de moedas estrangeiras. Neste último item, evoluímos muito, mas não eliminamos restrições que beiram o ridículo.

O Banco Central em muito boa hora aumentou de cem mil para um milhão de dólares a obrigação de o contribuinte informar sobre valores no exterior. Não faz sentido que o cidadão comum que mantenha uma reserva fora, além de declarar, ainda tenha o trabalho de informar ao BC. O razoável seria a Receita fazer tal comunicado. A elevação do valor a ser duplamente declarado possivelmente vai atender a grande maioria de contribuintes, mas prevalecem absurdos burocráticos que apequenam nossa burocracia. O contribuinte pode comprar em seu banco 20 mil dólares, 16 mil euros ou 14 mil libras por ano. Entretanto, ao embarcar para o exterior, deve ir a um guichê da Receita, nos aeroportos, informar se leva mais do que o equivalente a dez mil reais. Ora, só de hotel, este valor não paga cinco dias de estadia. Aliás, pouca gente sabe desta exigência, o que a coloca no rol das leis que não pegaram.

Outro absurdo é que os saques nas contas já declaradas devem ser informados e tributados. É suposto que, quando da aquisição das divisas, o contribuinte já tenha pagado os impostos referentes à origem do dinheiro e o IOF da compra cambial. E se a conta é, como na grande maioria das vezes, para custear viagens, mesada a filhos que estudem fora ou proteção contra a desvalorização do Real, esta burocracia e ônus fiscal certamente não se justificam. Comprou e depositou, gasta como quiser, quando quiser e até com quem quiser.

Mesmo com um sistema bancário moderno, a síndrome cambial impede práticas normais em todo mundo. Uma delas é a conta em outras moedas no próprio país, mas com saques em Reais sem tributação e, se for na moeda designada, pagando apenas o IOF. Seria simples e facilitaria a vida de pessoas e empresas que lidam com o exterior.Montevideo , apesar de anos sob domínio de esquerda, é um centro financeiro moderno e gera bons empregos.

Há meio século, trabalhando com um grande empresário que foi fazer tratamento nos EUA, fiquei encarregado da prestação de contas dos 20 mil dólares adquiridos para a viagem e pagamento de despesas ligadas à viagem e a doença. A burocracia era tal que faltaram comprovantes relativos a mil e seiscentos dólares, provavelmente de táxis, refeições, gorjetas. O empresário ficou tão irritado que resolveu mandar comprar no doleiro em frente os mil e seiscentos dólares e devolver ao banco que intermediou a operação. Ridículo e cômico, se não fosse vergonhoso! Evoluímos pouco.Não fosse ele um nome conhecido teria feito tudo pelo câmbio negro que vigia então.

A lista de absurdos é imensa, mas encerraria lembrando que a compra de uma obra de arte de autor brasileiro no exterior é considerada “importação” e paga imposto. E falam em prestigiar a cultura e enriquecer nosso patrimônio artístico…

A oportunidade de termos no Banco Central uma cabeça jovem, liberal, como a de Roberto Campos Neto, pode dar uma esperança de que se evolua neste setor.

Aristóteles Drummond

É jornalista e presidente da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro

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