Escrevo de Barcelos, margem direita do rio Negro, a maior bacia hidrográfica de águas pretas do mundo.
Fundada em 1728, com um território de 122.476 km2, elevada à primeira sede da Capitania de São José do Rio Negro em 1758, possui mais de 25 mil habitantes segundo o último censo de 2010.
Hospedei-me num prédio de arquitetura antiga, pé direito elevado, ao lado da igreja de Nossa Senhora da Conceição. Caminhando pela rua do beiradão é possível reconhecer alguns prédios históricos, destruídos pelo tempo e pelo descaso, retrato da falta de respeito à história da velha capital.
Nas escadarias, o porto improvisado pela balsa ancorada contrasta com a cidade destino turístico brasileiro, classificada como polo para turismo de pesca.
No café do mercado municipal, encontrei Eduardo, promotor do turismo de pesca, dono de um barco-hotel com capacidade para doze (12) visitantes. Explicou que a atividade ocorre entre os meses da vazante do rio Negro (outubro a março).
A viagem desde Manaus até Barcelos ocorre por taxi aéreo. Segundo o empresário, as limitações do aeroporto local não permitem o pouso de aeronaves de médio porte… e mesmo as grandes companhias aéreas, que agora estão operando na região, não transportam os equipamentos de pesca (não pelo peso, mas, pelo comprimento).
O pacote de uma semana custa em torno de R$8 mil. Os pescadores visitantes ficam hospedados seis dias nos barcos-hotéis, imersos na relação única água-floresta e pesca, e, apenas, no último dia, dormem em Barcelos.
As pescas ocorrem entre os rios Caurés (margem direita do rio Negro) e Padauiri (margem esquerda do rio Negro).
Eduardo descreve o rio Negro como um “rio de humor forte”. Explica que mesmo na vazante, quando ocorre o fenômeno do repiquete (parada da descida e leve subida da cota do rio) não há jeito de tirar peixe naquele dia.
A pesca esportiva em Barcelos arrecada mais de R$ 20 milhões por temporada (dados do Instituto Socioambiental – ISA), porém, ao não ser algum emprego como guia, tal economia não se fixa localmente.
Nesta breve passagem de duas semanas que aqui passo, algumas coisas na sede municipal me incomodaram.
Barcelos está isolada enquanto sistemas de internet, especialmente, os de telefonia móvel. Você pode possuir um excelente pacote empresarial que em nada vai adiantar para fazer, por exemplo, uma simples chamada de vídeo.
Imagine baixar e trabalhar imagens de satélite, tema da disciplina que vim ministrar aos meus alunos do curso especial de Tecnologia em Mineração da Universidade do Estado do Amazonas – UEA.
Aliás, caro amigo e Reitor da UEA André Zogahib, mal consegui caminhar a pé até o nosso prédio institucional, localizado na extensão da Avenida Mariuá, bairro Nossa Senhora de Aparecida, próximo à cabeceira da pista do aeroporto. Peço o carinho da nova gestão para uma intervenção do acesso e também do prédio, de forma a não perdermos, por abandono, uma obra que serviu de apoio ao município no momento da pandemia.
Por último, conclamo as autoridades federais que intervenham na situação de mais de cinquenta famílias da etnia Ianomâmi, que perambulam, mendicantes, sem qualquer apoio da Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
Habitam como refugiados, sem acesso a água potável, ou comida, na lama dos terrenos da casa da FUNAI e da Associação Indígena de Barcelos.
Perguntei a um casal ianomâmi e seus dois filhos menores de dois anos os motivos da vinda deles à cidade: buscavam se cadastrar na Seguridade Social.
A quanto tempo estavam ali? Há dias, provavelmente, semanas… responderam num português de poucas palavras… dia 18… não entendi se estavam a esperar o dia 18, ou se estavam desde o dia 18 do mês passado.
Entre urubus e vira-latas, vi cenas dignas da miséria e do descaso governamental. A disputa de restos de alimentos, de um pet que ajudará buscar e levar água de uma torneira de rua ao acampamento… dos pedaços de qualquer coisa que, jogado fora, servem de brinquedo…
A quantidade de crianças menores e de colo me assustou…. Vi, também, a solidariedade do povo de Barcelos, mas, este não é um caso acidental.
Concluo este texto convocando nossas autoridades federais (FUNAI e SESAI) a intervir no caso dos ianomâmis na sede de Barcelos, promovendo o amparo necessário às famílias descuidadas, necessitando, apenas, da segurança do Estado brasileiro.
Daniel Borges Nava – Geólogo, Analista Ambiental e Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia da UEA