2 de novembro de 2024

              A fumaça do atraso

Manaus tomada pela fumaça é um sintoma contundente da ignorância, da insensibilidade e da omissão. Neste momento recorde de vazante nos rios do Estado, a fumaça que tomou nossa capital -e diversas outras do interior do Amazonas -é mais uma triste consequência da falta de consciência ambiental por parte expressiva da população, inclusive autoridades. Os males causados pela vazante, pela seca e pela fumaça atingem muitas pessoas inocentes e prejudicam a economia, afetando a geração de emprego e de renda. Evidencia-se a falta de investimento em ações preventivas, o que acaba por causar prejuízos enormes, que poderiam ser evitados ou minimizados. Hora de refletir, de se sensibilizar e de mudar. Cuidar do meio ambiente é cuidar da vida do planeta, da natureza, dos seres humanos.

Vamos colocar a questão da fumaça no seu devido lugar. Não foi causada pelos atuais governantes, mas se relaciona com a falta de prioridade de sucessivos governos quanto às questões ambientais. Também reflete a indiferença de quem se sente inatingível pelas mudanças climáticas por morar distante dos focos de calor, por não residir às margens dos rios ou por se sentir protegido em bairros “nobres” ou condomínios fechados. No entanto, não apenas os ricos, mas também os pobres, costumam esquecer de pressionar com intensidade os segmentos públicos para priorizarem as causas ambientais. Basta verificar os orçamentos das secretarias estaduais e municipais -e do próprio Ministério do Meio Ambiente -para constatar os recursos ínfimos disponibilizados pelo Poder Público nas ações de conservação e de preservação da natureza, assim como na promoção do desenvolvimento sustentável. Pode-se afirmar que “entra governo e sai governo” e cuidar do meio ambiente não se torna prioridade, com raras exceções. Em muitos casos, gestores e técnicos da área ambiental se esforçam para cumprir seus deveres, mas não dispõe de recursos humanos e materiais suficientes para garantir a eficácia das ações. O setor privado também falha quando “cruza os braços” e não percebe como os efeitos nocivos deste processo também afetam seus interesses.

 Triste exemplo de “apatia ambiental” ao longo de décadas é o da poluição dos igarapés de nossa capital. O descarte incorreto dos resíduos líquidos e sólidos tem sido uma das marcantes características da veloz expansão urbana de Manaus. E no interior do Estado este processo de degradação se repete, embora numa escala menor. Aliás, o descaso com os recursos naturais predomina na maior parte da Amazônia e do próprio país. O que não deveria servir de consolo para nós amazonenses são os erros cometidos em outros lugares. Na verdade, são lições a serem aprendidas do que não se deve fazer nem permitir que se faça em relação à depredação dos recursos naturais. Enfim, não repetir os mesmos equívocos.

Voltando ao “fumacê” de Manaus, penso que outro aspecto importante a considerar é o da relação direta entre ambiente e saúde. No caso, crianças pequenas, idosos, pessoas que sofrem de asma e outros problemas bronco-pulmonares são os mais afetados. Mas toda a população é prejudicada, principalmente os que trabalham ao “ar livre”, que se transformou num “ar aprisionado” pelas inúmeras partículas poluentes oriundas das queimadas. Cito como exemplos os episódios de cidades como Autazes e Itacoatiara, em que o “nevoeiro” provocou acidentes e fez com que muitas pessoas sequer saíssem de casa durante os períodos mais intensos de fumaça. Assim, a própria atividade comercial é afetada. E a navegação que já está prejudicada pela vazante, se torna ainda mais precária, lenta e perigosa. Aulas são suspensas e eventos que ajudam a movimentar a economia da nossa cidade, como a Maratona e o Boi Manaus, são cancelados. Aliás, as atividades esportivas e recreativas a céu aberto não devem ser retomadas enquanto a fumaça não dispersar. Ou seja, mais prejuízos econômicos e sociais.

Lembro que já havia previsão de forte seca e vazante neste ano. Mesmo assim, as ações de prevenção foram muito aquém do necessário, principalmente na Região Metropolitana de Manaus. Nesse sentido, comenta-se que o município de Autazes tem sido o recordista de queimadas, principalmente por causa da prática danosa de “tocar fogo” em campos para renovar pastagens. Esta ação já nociva por si mesma, muitas vezes é realizada sem cuidados como fazer aceiros e acompanhar de perto o processo de queima com os meios para apagar o fogo antes que se espalhe pelas adjacências. A forma rudimentar de trabalhar o preparo de terrenos na agropecuária, sem uso de mecanização e de técnicas de plantio direto, explica grande parte dos focos de queimada. Mas também o descuido de usar o fogo para eliminar o lixo ou para abrir clareiras que facilitem a grilagem criminosa de áreas verdes, contribui significativamente para a produção de fumaça. Louva-se o esforço de bombeiros, brigadistas, fiscais, profissionais e voluntários ambientais, mas como se diz em linguagem popular custa caro “correr atrás do prejuízo”. Falta às três esferas de governança ambiental um amplo programa de prevenção. No sul do Estado, neste ano, parece que ações preventivas integradas entre as três esferas de poder obtiveram um certo avanço, com a colaboração de pecuaristas que evitaram a queima de campos de pastagens. Mas em Manaus e nos municípios próximos a coisa tomou proporções alarmantes. A falta de educação ambiental traz consequências cada vez piores.

Desta maneira, para evitar este e outros problemas derivados da ausência dos devidos cuidados com o meio ambiente torna-se indispensável efetivar um programa amplo, integrado e eficiente de ações preventivas e mitigatórias dos efeitos climáticos, como previsto nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. E investir maciçamente em novas tecnologias sustentáveis para o setor primário, dentre outras medidas inadiáveis. Mas tudo isso depende de três fatores primordiais: a vontade política dos governantes, a colaboração da iniciativa privada e a cooperação ativa da população. É fundamental reverter a lógica da “economia burra”, que é a de gastar menos hoje, para gastar muito mais depois. 

Assim, a fumaça em Manaus e no interior, pode ser chamada de “fumaça do atraso”. Estamos muito “atrasados” na decisão de priorizar os cuidados ambientais. No mundo inteiro –na Amazônia não é diferente –não é apenas a natureza que sofre.  Agora, cada vez mais, sofrem as pessoas que habitam o planeta. É tão óbvio. Mas muitos se recusam a enxergar. Provavelmente suas mentes e corações estão “nublados” pela fumaça da ignorância, do egoísmo e da insensatez. Ressalvo a parcela minoritária da população que compreende e colabora na prevenção e enfrentamento dos danos ambientais. Da mesma forma, não deixo de reconhecer os esforços governamentais para combater as queimadas. Mas é preciso muito mais gente, inclusive lideranças políticas, que compreendam a importância de não destruir a Natureza… A Criação, nossa “Casa Comum”, como diz o Papa Francisco, precisa ser conhecida, amada, valorizada e conservada, a fim de garantir vida saudável para as atuais e futuras gerações.

Luiz Castro

Advogado, professor e consultor

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