8 de outubro de 2024

A fome e a Justiça Social

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antônio Manuel de Oliveira Guterres, alertou que todos os dias, centenas de milhões de pessoas vão para a cama com fome, três bilhões de pessoas não podem pagar por uma dieta saudável, dois bilhões estão com sobrepeso ou obesos e, ainda assim, 462 milhões, estão abaixo do peso.  Guterres também chamou a atenção para que quase um terço de todos os alimentos produzidos é perdido ou desperdiçado. Um paradoxo.

No Brasil o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), informa que no ano passado 116,8 milhões de brasileiros conviviam com algum grau de Insegurança Alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões estavam enfrentando a fome.

Tecnicamente, a insegurança alimentar é uma situação em que a população de um país ou região não tem acesso físico, social e econômico a recursos e alimentos nutritivos que atendam às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável. De acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Agência Brasil, somente nos anos de 2017 e 2018 a insegurança alimentar atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, que equivale 10,3 milhões de pessoas em situação de fome ou subnutrição, sendo 7,7 milhões moradores na área urbana e 2,6 milhões na rural.

Paralelo ao crescimento da fome em seu território o Brasil é um dos maiores exportadores globais de commodities. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informa que no ano passado o agronegócio teve um saldo positivo de US$ 100,81 bilhões com a exportação dos seus principais commodities: soja, cereais, farinhas, café, açúcar, laranja e carne bovina.

O volume de produtos exportados anualmente daria para alimentar toda a população do país, mas não há uma exigência governamental que parte da produção seja distribuída no mercado interno. Outra informação interessante sobre a exportação de commodities é o que, conforme os dados da Receita Federal, foi arrecadado através do Imposto de Exportação: em 2019, R$ 16,3 mil e em 2020, R$ 53,8 mil. Você leu correto. Os incentivos e isenções tributárias, federais e estaduais, para exportação de commodities são inúmeros.

Do ponto de vista macro as operações que envolvem Agricultura, Pecuária e Serviços Relacionados arrecadaram em 2020 o total de R$ 7,57 bilhões em tributos federais e contribuições previdenciárias, percentual que representa 0,42% da arrecadação total de R$ 1,77 trilhão. Um percentual pequeno para uma atividade tão importante para a balança comercial do país.

E qual a relação entre a fome e o crescimento do agronegócio? Como o Brasil tem a 2ª maior concentração de renda entre mais de 180 países, com 1% da população mais rica detendo 28,3% da renda do país, quase um terço do total, as questões de justiça social são dependentes de políticas públicas. Se ampliarmos a faixa de 1% para os 10% dos brasileiros mais ricos, a participação na renda do país sobe para 41,9% do total. Ou seja, os outros 90% da população conseguem menos do que 60% da renda total, só para evidenciar a tamanha disparidade, de acordo com a ONU.

Com essas informações como promover Justiça Social sem arrecadação de tributos justa? Como promover Justiça Social com uma carga tributária que incide mais sobre os produtos e não sobre a renda? Como podemos ter justiça social quando o pobre paga mais tributo que o rico? Grande parte população necessita de políticas públicas que lhes garantam o mínimo de condições de subsistência.

O ponto de convergência entre a justiça social e a tributação é o princípio da capacidade contributiva, que consta no art. 145, § 1º da Constituição. Capacidade contributiva definida como a possibilidade da pessoa, quando se torna contribuinte legal de um tributo, suportar a carga tributária sem ter o seu bem-estar prejudicado de alguma forma. Não é o que ocorre no nosso país em que parte da população já não tem mais nem o que comer.

Óbvio que o agronegócio não é a única causa da fome no país e foi usado como um exemplo para explicar uma carga tributária injusta que recai sobre a maioria da população brasileira. Existem, infelizmente, vários outros problemas como a corrupção, a sonegação, a falta de políticas públicas inclusivas, retiradas de direitos dos trabalhadores, desemprego, além da pandemia, que se tornou um complicador extraordinário.

Ban Ki-moon, 8º Secretário-Geral das Nações Unidas, no seu discurso da primeira comemoração do Dia Mundial da Justiça Social, tratou do tema da seguinte forma: “A justiça social é um princípio fundamental de coexistência pacífica e próspera entre as nações. Favorecemos a justiça social quando eliminamos as barreiras que as pessoas enfrentam, por motivos de gênero ou relacionados com a idade, raça, origem étnica, religião, cultura ou deficiência”. O Secretário-Geral complementou seu pensamento alertando que para assegurar a estabilidade e a prosperidade mundiais, temos que garantir a todos um nível de vida aceitável e a igualdade de oportunidades.

Moisés Hoyos

Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

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