E por falar em missa, a grande tristeza de Madrinha, quando nos mudamos para o Jardim Haydéa, foi a ausência de igreja perto de casa. Na Japurá, vivíamos nas biqueiras da Igreja do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. No Jardim Haydéa, situado numa parte da cidade ainda pouco desenvolvida, cujo acesso se fazia por um caminho íngreme que se chamava Rua João Alfredo, precursora da poderosa Av. Djalma Batista, só tinha água e mato. No lugar onde hoje é o Amazonas Shopping, havia um maravilhoso bosque de castanheiras que o chamado progresso destruiu. Onde, hoje, é o Plaza Shopping havia o balneário da TVLar, a TVlândia. Aliás, o que mais havia naquelas paragens era água e mata. Era uma região limítrofe entre o centro da cidade e os bairros. Tudo isso, hoje, é história!
A abertura da Av. Djalma Batista foi um marco na vida dos habitantes das imediações. Lembro-me da topografia da nova rua que meu irmão caçula, Marcelo, me enviou quando eu estava estudando na Ohio University, nos Estados Unidos, nos anos 1970. Quando voltei para casa dois anos depois, encontrei tudo diferente. Não havia mais a ruazinha estreita cravada no meio da mata, por onde passava um veículo de cada vez. Era um caminho romântico, iluminado apenas pelas luzinhas dos insetos, os vagalumes. Como só passava por lá quem lá morava, era emocionante apagar-se as luzes do carro e assistir ao maravilhoso espetáculo de luz e som dos vagalumes e dos grilos. A mata foi desbastada, as castanheiras estavam em processo de derrubada para darem lugar ao Amazonas Shopping. Era o progresso que chegava, passando por cima de tudo. E nós, lá, testemunhas mudas da história. Figurantes!
Coisa que jamais compreendi muito bem foi a falta de igreja e de padaria nas imediações do Jardim Haydéa. Igreja e Padaria, instituições básicas de qualquer vilarejo! O espiritual e o temporal! Como iniciar o dia sem o pão quentinho da padaria e o badalar dos sinos chamando os fiéis para as bênçãos do Divino? Hoje, está tudo mudado. Há, naturalmente, supermercados onde se pode comprar o pão até quentinho. mas falta o charme do ambiente mágico, confortante da padaria. E as igrejas? Há algumas nas paragens, de denominações variadas, mas sem o badalar dos sinos por estarem em perímetro urbano. Constatamos que falta poesia à vida moderna!
As janelas abertas para fora eram expostas às chuvas da época invernosa, danificando-se rapidamente. Para mantê-las perfeitas, papai estava sempre a pintá-las, de forma que quando chegava à última janela da cozinha, no final da Casa, era tempo de recomeçar a pintura das janelas da sala. E o ciclo continuava!
Outra tarefa de papai era pintar as cadeiras de balanço de macarrão branco. Eram assim chamadas porque tinham armação de ferro recoberta com fios grossos de plástico parecidos com macarrão. Naquelas cadeiras foram e ainda são acalentados todos os bebês netos, que também eram embalados na rede do vovô, armada na varanda que foi acrescentada em uma das reformas. Era nas cadeiras de macarrão que papai gostava de se embalar no final da tarde, enquanto esperava o chamado de nosso vizinho da casa em frente, Seu Pennini, para juntos irem comprar o pão do jantar. Papai gostava de apreciar o movimento das nuvens no céu e prognosticar que tempo faria no dia seguinte. A todos os que entravam, ele, anfitrião perfeito, saudava com alegria, oferecendo um dedo de prosa. Era comum, nós, as filhas, nos sentarmos em outra cadeira, perto dele, e, em conversa animada, receber uma gostosa massagem nos pés.
Hoje, o aspecto da Casa Sete está bem diferente daquele do começo. A movimentação também difere da anterior. A população aumentou bastante com a chegada dos netos e bisnetos. Há mais agregados do que antes, por força das circunstâncias. O espírito alegre, conciliador, fraternal continua, porém, igual.
Não fora a pandemia que assolou o planeta, as celebrações continuariam, hoje, mais abundantes com novos aniversários surgindo. No mês de novembro, da famosa Novembrada, já se decidiu que não há mais vaga, está lotado. O jeito é fazer dobradinhas. A cerimônia do final da tarde na cozinha também foi descontinuada, para evitar-se o espalhamento da doença. À custa de muito sacrifício, estamos fazendo a nossa parte. Quando o bilão for feito do resultado da invasão do Corona Vírus em nossos lares, haveremos de constatar que o ferido, mortalmente, foi mesmo o nosso espírito, a nossa alma, o nosso sentimento gregário, brutalmente agredido, roubado.
Todos, especialmente nossa mãe, sentimos muita falta do aconchego, da proximidade da família, dos amigos que fazem parte do encanto de nossa existência, Para quem já foi cognominada “O Salão de Festas do Jardim Haydéa”, a Casa Sete, hoje, é apenas o espectro do esplendor do passado.
O mais importante é que mesmo com a grande ausência de todos e de tudo, as perdas sofridas, a Casa Sete continua sua trajetória, sob a guia de nossa mãe e avó. Sobrevivente do Covid, ela é nossa alma mater, nossa “mãe alimentadora, criadora” que nos ajuda a manter vivo o espírito de esperança que sempre esteve presente em nossa Casa, desde os primórdios, tecendo a nossa história.