Com amplas potencialidades naturais, o Amazonas poderia estar avançando no zoneamento ecológico-econômico, algo que abriria grandes perspectivas para geração de novos empregos e renda na região. Até agora, as iniciativas nesse sentido continuam como contratos de gavetas, isto é, sem utilidade.
Direcionamentos técnicos e científicos elaborados por equipes de expertises de peso permanecem relegadas e empoeiradas, sem nenhum aproveitamento na prática, tanto na gestão pública como também na privada. Praticamente nada foi elaborado para o aproveitamento sustentável de tão rica biodiversidade, apesar da existência de projetos capazes de nortear assertivamente muitos empreendimentos e uma diversificada infinidade de negócios.
Agora, imaginem. Extremamente menor em extensão territorial, com menos tráfico de influência na política pública e junto às autoridades constituídas (nas três esferas do poder público), Roraima, o Estado vizinho, vem servindo de modelo para Estados como São Paulo e Tocantins sobre como orientações técnicas, precisas e assertivas permitem a gestores direcionar investimentos com feedbacks bem-sucedidos.
Coordenador do ZEE-RR, Francisco Pinto disse que, sem o apoio de governos, dificilmente um plano de desenvolvimento que prime pela preservação do ecossistema tem condições de avançar. Um aspecto que ganhou notoriedade e prioridade em Roraima, dinamizando a economia e gerando postos de trabalho para grande maioria da população.
Ao contrário de outros Estados, Roraima avançou no zoneamento por ter interesse de ampliar a sua área de produção. “Em geral, os gestores cometem um erro frequente – destinam verbas para demandas espontâneas, acabando em vultosos prejuízos, sem conseguir atingir objetivos e metas definidos”, afirma ele.
Na verdade, interesses políticos e pressão de parte do empresariado mais preocupado em respostas imediatas funcionam como um rolo compressor, comprometendo ações que poderiam beneficiar muita gente, especialmente estratos de maior vulnerabilidade social econômica, como no setor primário.
“Ao contrário, um zoneamento é fundamental para fazer um diagnóstico preciso de cada situação, podendo reduzir substancialmente possibilidades de malogro a curto, médio e longo prazos”, acrescenta Pinto, advogado de carreira, com especialização em ciência política, gestão pública, mas que conhece a fundo essa questão.
Amazonense, Francisco Pinto tem vasta experiência no tema. Atuou como subcoordenador de pastas do meio ambiente em governos anteriores do Amazonas e também como expertise em universidades públicas no Estado.
Outra questão é que nem sempre os zoneamentos, elaborados sem levar em conta aspectos diferenciados, não seguem peculiaridades de cada região em foco, prejudicando eventuais ações que buscam alavancar as atividades. Nem tudo que é elaborado em outros Estados serve para gerar benefícios em outras localidades.
Por exemplo, no Amazonas, há um vazio imenso (ou até gigantesco) em relação aos 62 municípios amazonenses. A expansão foi desigual. E cada um deles tem sua particularidade econômica e social, variando entre mais desenvolvidos e com menos fôlego econômico.
E nem sempre o que é necessário para a capital, Manaus, e também para a sua Região Metropolitana, é benéfico para o interior. E é aí que está o imbróglio da questão, que culmina no desperdício de muitos recursos públicos.
Realidades diferentes
Em geral, as cidades ribeirinhas amazonenses enfrentam severas dificuldades. Os poucos recursos que chegam àquelas regiões vêm de repasses estaduais e federais, criando uma situação de extrema dependência do poder público.
“Nem sempre os números divulgados pelo IBGE batem com a nossa realidade”, avalia Francisco Pinto. Para ele, o zoneamento ecológico-econômico é altamente estratégico não só para o Amazonas e Roraima, mas também para toda a Amazônia.
“Considero os ZEEs como fundamentais, mas infelizmente poucos Estados conseguiram avançar. O objetivo é conciliar o desenvolvimento com a conservação. O próprio decreto federal que define as diretrizes de como serão elaborados os estudos é muito evidente. Sob o norteamento de mapas científicos, você consegue fazer um diagnóstico de cada região focado na realidade”, explica ele.
Segundo Pinto, levantamentos técnicos e científicos servem de excelente ferramenta para os gestores não “atirarem no escuro” antes da definição de medidas que visem alavancar o desenvolvimento em cada região, dando mais fôlego econômico e gerando novos empregos.
“Com base nessas informações, o gestor pode pensar de forma assertiva o desenvolvimento com a questão ambiental”. Afirma Pinto. “Eu faço sempre esse olhar na conservação para que não se confundam aspectos sobre a preservação em si. Dá para explorar as atividades sem agredir o ambiente. Tudo é baseado em estudos científicos”, garante.
Na contramão da ciência
Francisco Pinto lamenta o fato de o Amazonas não ter avançado no zoneamento ecológico e econômico. “Até pelas dimensões que tem, houve um dado momento para fazer o projeto, mas as realidades das regiões não são as mesmas. E talvez fazer um zoneamento único não seria a decisão mais acertada”, diz.
E, sem informações técnicas precisas, os gestores acabam direcionando recursos de forma equivocada. E muitas vezes sem conhecer as peculiaridades das cidades ribeirinhas. “E o Amazonas pode muito nisso. Não há um documento técnico e científico que dê mais segurança para aplicação de recursos”, afirma ele.
Roraima bombando
Natural de Carauari (AM), Francisco Pinto relata que foi convidado para gerenciar o ZEE/RR. E, a partir daí, convocou grupos de expertises que atuavam na Ufam (Universidade Federal do Amazonas), além de outros no Estado vizinho.
Em seguida, desenvolveu um estudo profundo sobre as potencialidades daquela região, considerando também as limitações. E ainda pelo fato de Roraima fazer fronteiras com outros países.
“Inicialmente, tivemos muitos problemas de infraestrutura para escoar a produção agrícola em um Estado que concentra sua atividade econômica praticamente no agro. Avaliamos as condições geopolíticas dos países vizinhos. São 12 temas temáticos que são avaliados, dando um diagnóstico completo para os gestores públicos”, explica. “Agora, se não houver interesse, acaba sendo um documento de gaveta”, diz.
Na realidade, o ZEE serve de ferramenta para a tomada de decisões do poder público, avaliando questões sobre o que é mais estratégico para alavancar a economia, gerar mais postos de trabalho e melhorar a qualidade de vida.
“A maior parte do que é definido por governos, é discutido apenas em gabinetes”, acrescenta Francisco Pinto. O ZEE/RR diagnosticou áreas com maiores potencialidades econômicas, em especial no setor de agronegócios. “Sem esse norteamento, o investimento pode ser muito maior, acabando em decisões equivocadas, como acontece de forma recorrente no Amazonas”, afirma.
Portanto, são investidos milhões de recursos que não geram nada, criando elefantes brancos, um cenário de grandes obras abandonadas, que se espalha em praticamente todos os Estados brasileiros.
Outro aspecto importante, segundo Francisco Pinto, é que o ZEE pode detectar locais onde é mais estratégico o extrativismo, levando em conta fatores econômicos e sociais. “E não adianta implementar uma cultura se o município tem como base sua economia em insumos regionais abundantes. Então, é mais estratégico extrair que plantar, dependendo do caso”, afirma.
Dados podem ser duvidosos
Coordenador da ZEE/RR, Francisco Pinto questiona dados oficiais sobre desmatamentos. “Dificilmente, o gestor poderá ser bem-sucedido em suas metas se não tiver em suas mãos uma ferramenta técnica sobre o diagnóstico de um zoneamento econômico e ecológico”, alerta.
Particularmente em Roraima, o governo priorizou esse perfil técnico, ampliando benefícios para vários setores econômicos naquele Estado. Até agora, são apenas 6% de áreas desmatadas que estão fora de locais protegidos por legislação federal, sem quase nenhum impacto ambiental. A grande vantagem é que aquela região foi visivelmente beneficiada economicamente, servindo de modelo de desenvolvimento para outros Estados brasileiros.
Recentemente, São Paulo manteve contato para a troca de experiências no projeto desenvolvido em Roraima. “Reunimos profissionais da Ufam, algo entre seis e oito colaboradores, conseguindo a expansão de negócios, evitando ações equivocadas. Portanto, conseguimos alinhar as políticas estaduais”, explica Pinto.
Tocantins também já mantém contato com o governo de Roraima para a implementação dessas medidas. “Infelizmente, a União não tem dado a contrapartida devida. Outra coisa, os Estados não têm a obrigação legal de submeter a política de zoneamento ecológico e econômico ao governo central”, ressalta.
Outra vantagem é que Roraima, formado principalmente por campos naturais, pôde reduzir sua área sobre reserva legal de florestas de 80% para 50%, permitindo incrementar mais os negócios de forma sustentável.
Ele diz desconhecer sobre como o Amazonas pensa essa questão, mas sabe que há muitas restrições em relação a desmatamentos no sul do Estado, principalmente no município de Apuí.
“Sei que a pressão ali é forte. E o ZEE seria fundamental para equacionar essa questão”, diz. “Isso possibilitaria uma ferramenta assertiva, mas tudo depende do Estado. Mas a grande maioria dos gestores públicos ignoram esses estudos, E isso é ruim para uma estratégia de desenvolvimento. Não há embasamento técnico e científico. Com estudos, a possibilidade de errar é muito menor”, ressalta.