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Vícios privados, tragédias públicas

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A Filosofia Moral do século XVII teve em Bernard de Mandeville um dos seus expoentes mais pródigos. O autor da “Fábula das Abelhas, ou Vícios Privados, Benefícios Públicos” introduziu um axioma louvável: o vício, algo deplorável, pode ser convertido em virtude, se assim, como causa, torna-se um benefício para toda a coletividade.

A abordagem mandevilliana é objetiva e clara: os vícios humanos são inevitáveis – todos estão expostos à tentação e ao vício –, mas os vícios privados não podem se estender por todo o tecido social, o que pode transformar-se em desordem coletiva.

Ombreado com pensadores dos quilates de Adam Smith, Thomas Hobbes ou Nicolau Maquiavel, Mandeville evidencia o relevante papel do indivíduo na trama social de seu tempo.

Em outras palavras, “vícios privados, benefícios públicos” porque o vício pode e deve ser segregado, insulado e apartado de todo o conjunto da coletividade, assim evitando a degradação.

Este dilema mandevilliano nasceu em pleno no século XVII, o século de ouro da Holanda no mundo. Amsterdã torna-se a capital comercial do mundo, onde navios de todas as nações aportam para dar entrada e saída das mercadorias pelo porto de Amsterdã.

O cosmopolitismo torna-se inevitável. Marujos dos mais diferentes recantos da terra aportam em Amsterdã e passam a conviver com a população local. Trazem consigo, obviamente, os seus vícios para a cidade. Sem controle ou regulação, Amsterdã virou uma anarquia urbana: beberrões, ladrões, moradores de rua e prostíbulos se multiplicam por toda a cidade.

O pastor protestante Mandeville teoriza uma solução prática: conter por meio de um cordão sanitário parte da cidade – em especial, a região portuária –, a fim de restringir um espaço da cidade dedicado à extravagância e aos prazeres.

Amsterdã, ainda hoje, é um exemplo desta política. Consumidores de drogas e prostíbulos estão circunscritos a uma zona específica, o que contribui para livrar a cidade dos males sociais decorrentes dos vícios privados.

A Cracolândia paulista era, improvisadamente, uma solução mandevilliana. Concentrar numa rua aqueles dependentes químicos que buscam a droga diariamente, e os traficantes que precisam vender o produto.

Uma solução maligna, mas que concentrava num único espaço – e não em toda a cidade – aquela legião de zumbis do crack.

Ao remover os viciados e traficantes daquele reduto, eles foram naturalmente, como uma manada, para outros lugares – uns para consumir, outros para vender crack. O resultado prático foi a distribuição do consumo e do tráfico por toda a região do entorno da Cracolândia.

Prostituição em Amsterdã, a Lei Seca nos Estados Unidos e a Cracolândia em São Paulo são exemplos de tentativas malfadadas de controle governamental sobre os vícios da população. Tentativas estas onde os “vícios privados” acabam se transformando em tragédias públicas.

A percepção de Mandeville deixou um importante legado para uma vasta geração de economistas, políticos e filósofos sociais. Não só para aqueles, mas para os que formulam e aplicam políticas públicas objetivando a sua eficácia.

*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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