Foco de dores de cabeça para o setor produtivo e a população do Amazonas, em 2023, a estiagem se anuncia tão ou mais severa neste ano. Boletim hidrológico da Bacia do Amazonas, feito pelo SGB (Serviço Geológico do Brasil), indicou que o Rio Negro estava subindo ao final de maio, com cota de 25,7 metros. O pico da enchente é esperado para este mês, “dentro da normalidade”. O alerta é para uma nova vazante histórica, com baixos volumes de precipitação previstos até julho, sobre as cabeceiras dos rios Juruá, Purus e Madeira indicam. Por isso, o Estado em peso se mobiliza para evitar o pior e trabalha contra o relógio.
O boletim da Agência Nacional de Águas, divulgado nesta terça (4), revelou que o rio Madeira desceu 1,53 metros em quatro dias, reduzindo a cota de 16,37 metros para 14,84 metros. A situação inspira preocupação, pois o nível do rio não se recuperou totalmente desde a seca histórica de 2023. Em Porto Velho (RO), o rio Madeira também baixou 48 centrímetros, de 8,31 metros para 7,83 metros. Em contraste, o Rio Negro, passa por um processo de cheia, porém mais lento que o normal. Subiu de 26,49 metros para 26,58 metros, conforme o Porto de Manaus.
Diante disso, a janela de oportunidade para minimizar os impactos de uma nova seca serva está se fechando. Cientistas ouvidos pelo Cieam, em evento realizado na semana passada, apontam que a descida dos rios deve começar mais cedo. Embora não saibam precisar uma data, aconselham que o PIM trabalhe com uma margem de 30 dias de antecipação a um novo estrangulamento logístico, comparada ao ano passado. Em 2023, Manaus deixou de receber navios na primeira quinzena de outubro. Lideranças do PIM recomendam um prazo maior, de 60 dias, o que traria a data limite para agosto.
Em contrapartida, a licitação para a dragagem dos pontos críticos das hidrovias do Amazonas, como o rio Madeira e a região do Tabocal (Itacoatiara) ainda não foi lançada pelo Dnit. A expectativa é que isso ocorra em tempo hábil para que o contrato seja fechado em julho e os trabalhos comecem no mês seguinte – que já pode contabilizar níveis alarmantes na cota de água. O assunto deve ser tratado novamente, em encontro entre as lideranças do PIM e representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes, nesta semana, em Brasília.
Para o setor produtivo do Amazonas, a constatação é que, do ponto de vista dos custos logísticos, a vazante já começou. Empresários se queixam que os preços dos fretes já estão mais elevados, quando comparados ao patamar de um ano atrás. Os reajustes ocorrem em paralelo com a pressão exercida pela antecipação das compras da indústria e, em menor grau, também do comércio. Em paralelo, o PIM teme que o plano B oferecido pelo Porto Chibatão, assim como a sinalização de uma oferta semelhante pela empresa SuperTerminais, gere custos adicionais às empresas.
Abaixo do esperado
O alerta da vazante foi dado pelo governo do Amazonas, no começo de maio, durante reunião que contou com a presença de 30 secretários e gestores estaduais. O objetivo do encontro era a elaboração de um plano de trabalho antecipado, considerando os possíveis impactos da seca, para minimizar seus efeitos na atividade econômica e ambiental, incluindo os desmatamento e queimadas. O secretário executivo de Defesa Civil, coronel Francisco Máximo, apresentou indicadores climáticos, destacando a preocupação com a baixa recuperação dos rios e seus efeitos no transporte fluvial.
A Defesa Civil tem realizado reuniões desde janeiro, com representantes da indústria, comércio e poderes públicos, para coordenar ações de prevenção. Os níveis dos rios em todas as calhas do Amazonas estão abaixo do esperado, indicando urgência de dragagem de rios, manutenção de portos e aeroportos, controle de qualidade do ar e garantia de acesso à água potável. O governador Wilson Lima (UB) tem buscado apoio federal, com a antecipação de medidas. Em maio, o Executivo estadual anunciou a emissão de licenças ambientais para a dragagem em quatro trechos de rios, em trabalho a ser feito pelo Dnit.
A meta é evitar um repeteco da seca de 2023, a mais intensa da história, que deixou o Estado em situação de emergência e diversos municípios isolados. Segundo a Defesa Civil do Amazonas, a população pode se antecipar fazendo estoque de água, alimentos e medicamentos para enfrentar o período crítico. O pico da vazante deve começar em outubro, no Rio Solimões, Negro e Amazonas. Em matéria postada no site da Agência Brasil, Francisco Máximo, disse que o poder público também vai disponibilizar locais para receber as famílias que precisarem deixar suas casas, por causa do isolamento imposto pela estiagem.
A estiagem de 2024 e seus impactos também preocupam a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que realizou um evento para debater a questão, também na semana passada. “O que cabe a nós, que temos responsabilidade como órgão de Inteligência, é transformar esses dados para que os tomadores de decisão mitiguem os danos desses eventos da natureza, que são sazonais, recorrentes e previsíveis”, declarou o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, em texto postado no site do órgão federal.
“Medidas preventivas”
A iniciativa privada também está se mobilizando, incluindo as lideranças empresariais e também as empresas que atuam na logística amazonense. A diretoria do Grupo Chibatão participou de reunião em Brasília, ainda em abril, para apresentar as iniciativas que já pôs em prática para o enfrentamento aos impactos da vazante. Participaram do encontro representantes do Dnit, Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e Cieam, além de políticos da bancada amazonense no Congresso,
O destaque foi a entrega de um estudo de sondagem / batimetria ao diretor de Infraestrutura Aquaviária do Dnit, Erick Moura. Esse estudo, elaborado em colaboração com especialistas e profissionais do setor, visa embasar a implementação de medidas preventivas nas áreas críticas do Tabocal, Enseada do Madeira e Faroletes, que foram severamente afetadas pela seca histórica do ano anterior.
Mais de 70 mil contêineres deixaram de chegar com insumos essenciais durante a seca de 2023, afetando diretamente mais de 630 mil pessoas em 59 municípios. Em um cenário em que se estima uma possível queda de até 90 mil contêineres na chegada a Manaus este ano, os participantes enfatizaram a importância de ações proativas. “É fundamental que tomemos medidas preventivas. A seca é uma realidade recorrente e, se não agirmos com antecedência, os prejuízos podem ser ainda mais significativos”, asseverou diretor do Grupo Chibatão, Jhony Fidelis.
Uma semana depois, a empresa anunciou que planeja transportar uma parte do porto que opera em Manaus para o rio Amazonas, com a enseada do rio Madeira, para minimizar os impactos da vazante. O porto provisório funcionaria a partir do deslocamento de uma estrutura com 180 metros de comprimento e 24 metros de largura até o trecho em questão, a 10 milhas náuticas, descendo a Foz do Madeira e a 20 milhas de Itacoatiara. A estação faria o transbordo (retirada) das cargas de contêineres de navios para balsas.
“Obras alternativas”
Durante a realização do X Fórum de Logística do Cieam, o presidente executivo da entidade, Lúcio Flávio Morais de Oliveira, disse esperar que a licitação para a dragagem saia nas próximas semanas. “Consideramos que o contrato seja fechado até julho, para iniciarmos os serviços a partir de agosto, se tudo ocorrer dentro da normalidade. A gente sabe que o processo licitatório está sujeito a vários cenários, que incluem questionamentos públicos ou impugnações”, ponderou.
Presente no mesmo evento, o coordenador da Comissão Cieam de Logística, Augusto Cesar Rocha Barreto, destacou à reportagem do Jornal do Commercio que o andamento da questão das dragagens ainda está dentro do prazo. “Está em cima, mas até ok. Antes de parar [o transporte fluvial] há uma redução do volume das embarcações, ocorrendo atrasos de cargas, naturalmente. Por isso, a recomendação é de antecipação dos 30 dias [no planejamento logístico]. É o olhar de quem planeja. Sou até mais conservador e recomendo 60 dias”, emendou.
Embora não disponha de estatísticas a respeito, Augusto Cesar Rocha Barreto estima que a indústria em peso está antecipando compras. E cita uma sugestão apresentada por um dos especialistas que falou no evento. “Precisamos de obras alternativas para o problema. O professor Naziano Pantoja Filizola Junior [do departamento de Geociências da Ufam] sugeriu barragens contendo os sedimentos antes dos pontos críticos. A única alternativa emergencial é a dragagem, mas precisamos começar a caminhar para a construção do futuro. Caso contrário, ele nunca chega”, arrematou.