Por Hamilton Almeida Silva
Advogado
Há muito se argumenta sobre a questão do não pagamento do ICMS depois de auto declarado.
Sim, porque o ICMS é um desses tributos que, por definição legal, é chamado de “auto declarado”. Ou seja, o contribuinte faz a declaração do valor devido e o recolhe ao Erário.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre o tema, através do recurso ordinário em habeas corpus 163.334 Santa Catarina.
Em resumo: o contribuinte que, de forma contumaz, e com dolo de apropriação, deixa de recolher ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide no tipo penal do artigo 2, inciso 2, da Lei 8.137. A tese foi acatada, por maioria, pelo Plenário do Supremo Tribunal federal nesta quarta-feira (18/12).
Na contenda permanente entre o Fisco e o contribuinte, o poder público acaba de fazer mais um gol.
Ficou, para o imaginário popular, que deixar de recolher tributo, ainda que seja por culpa do governo — ou da sua política econômica, do “fique em casa” — dá cadeia. Não importa se por equívoco, asfixia ou erro do Fisco, agora vira culpa exclusiva de quem não pôde pagar o sócio mais bem remunerado de qualquer empresa: o governo. Claro, por decisão dos julgadores escolhidos pelo governo.
Com a ausência do ministro Celso de Mello, o plenário concluiu o julgamento em sete votos a favor da criminalização e três contra. A maioria do Supremo declarou que é crime não pagar o ICMS devidamente declarado.
Principal fonte de receita dos estados, o imposto é cobrado pela movimentação de mercadorias e serviços, devendo ser recolhido e repassado ao governo por uma empresa na venda de algum produto ou serviço.
O Supremo voltou a debater se o Direito Penal pode alcançar a inadimplência e considerar crime de apropriação indébita a dívida fiscal de um empresário que reconhece ter um débito, mas não o quitou.
O voto que prevaleceu é o do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso. Segundo o ministro, crimes tributários não são crimes de pouca importância, e o calote impede o país de “acudir as demandas da sociedade”. No entendimento do ministro, o ICMS não faz parte do patrimônio da empresa, que é mera depositária do valor, devendo repassá-lo ao Fisco estadual.
Antes, o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, votou a favor da criminalização por dívida de ICMS declarado. “Deve-se demonstrar que o responsável ou o contribuinte têm consciência e têm a vontade explícita e contumaz de não adimplir com o Fisco. Ou seja, vontade consciente e deliberada de apropriação dos valores do fisco”, disse.
Quando se detém na leitura do acórdão, no entanto, a coisa fica um pouco diferente do que se pensava.
O que se lê no acórdão, n. 5 e n. 6, retiram o caráter perverso da decisão. Lá está bem claro que só se considera crime quando há uma ação contumaz, com o dolo de não recolher o imposto. Vejamos o que diz parte do acórdão:
5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades.
6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas” no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc.
Logo, o contribuinte regular, que recolhe com normalidade seu tributo, quando, na eventualidade, deixar de recolhê-lo, não pode ser confundido com criminoso.
Talvez só tenhamos que informar isso para o fisco amazonense.
Aqui, qualquer inadimplência é remetida para inscrição em Dívida Ativa e a seguir remetida para a PGE.
O contribuinte está sendo chamado para responder a inadimplência na Delegacia Fazendária.