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Rigor da Lei Seca favorece quem dirige bêbado

A propaganda da Lei Seca é mais eficaz que a sua redação. Isso é o que revelam as primeiras batalhas na Justiça em torno da nova regra. Vendida como a norma que iria punir com tolerância zero quem fosse pego bêbado ao volante, na prática, o rigor da lei acaba favorecendo os infratores.
Isso porque até junho passado, quando entrou em vigor a nova regra, o exame clínico visual feito pelo perito do Instituto Médico Legal era prova na qual poderia se basear a ação penal contra o motorista embriagado. Ou seja, mesmo sem se submeter ao teste do bafômetro ou a exame de sangue, o motorista poderia ser processado criminalmente se o médico constatasse notórios sinais de embriaguez.
A Lei Seca (lei 11.705/08), em tese mais rigorosa, acabou com essa possibilidade ao exigir prova de determinada concentração de álcool no organismo para a ação penal. A tese é defendida pelos advogados Aldo de Campos Costa, Cláudio Demzuk de Alencar e Marcelo Turbay Freiria, e vem encontrando guarida em decisões judiciais.
Pela nova lei, é punido com pena de seis meses a três anos de detenção o motorista que estiver “com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas” ou “ou três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”. Assim, caso não seja comprovado por meio de exames que o motorista estava com álcool acima desses ­limites, não há como processá-lo criminalmente. E o motorista não é obrigado a fazer o exame de sangue ou passar pelo bafômetro.
“O legislador procurou inserir critérios objetivos para caracterizar a embriaguez, mas inadvertidamente criou uma situação mais favorável àqueles que não foram submetidos aos exames específicos. A lei, que pretendia, e com razão, ser mais rigorosa, acabou engessando o tipo penal”, afirmou a desembargadora Sandra de Santis, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Em decisão que deve ser publicada em breve no “Diário Oficial”, a 1ª Turma Criminal do TJ distrital trancou ação penal contra um acusado de dirigir bêbado que não passou por exame de sangue ou pelo teste do bafômetro. Por dois votos a um, a Turma seguiu o entendimento da desembargadora, de que o exame do IML não é capaz de comprovar a concentração de álcool no sangue.
“Embora o exame clínico seja apto a comprovar a embriaguez, só os exames de sangue ou ar expelido pelos pulmões podem determinar se foi ultrapassado o limite legal, pois há pessoas com maior resistência ao álcool do que outras”, sustentou a desembargadora. De acordo com a decisão, “só a prova do percentual de álcool no sangue ou no ar alveolar pulmonar possibilitaria a definição do tipo do artigo 306 do Código de Trânsito”.
Sandra de Santis ressaltou que, apesar de não servir para embasar ação penal, o exame clínico visual serve para provar embriaguez no caso de sanções administrativas. Ou seja, a suspensão da carteira e apreensão do veículo podem ser feitas sem o teste do bafômetro e o exame de sangue: “Só as sanções administrativas do artigo 165 do Código de Trânsito poderão ser impostas quando a embriaguez não for aferida segundo a nova legislação”.
Mas, no caso de processo criminal, a regra não pode ser aplicada. A desembargadora explicou que embora o perito do IML conclua que o paciente estava “clinicamente embriagado”, tal conclusão só é sufi­ciente para indicar a embriaguez para fins administrativos, não para fins criminais. “O crime exige prévia tipificação, ou seja, exige que a situação esteja ­perfeitamente definida na lei e a dosagem agora é ­elementar, o que não era previsto anteriormente.”
Ainda segundo a desembargadora, dosagem inserida como elementar do tipo foi opção legislativa. E ao intérprete cabe observar o princípio da legalidade. “Friso que os percentuais são até razoáveis. O problema é que, para aferi-los, impossível prova que não sejam aquelas hábeis a medir com segurança a concentração apta a configurar o tipo legal de crime”.

Voto da relatora

E, se a lei nova é mais favorável, retroage para tornar a conduta do paciente atípica. Não há prova técnica que constate a concentração de álcool por litro de sangue e o laudo pericial que levou ao oferecimento da denúncia é insuficiente. Nem se diga que o teor alcoólico poderia ser comprovado no curso da ação penal porque a elementar não está descrita na inicial. É o preço que se paga por viver num Estado Democrático de Direito, que deve respeito irrestrito ao sistema jurídico normativo. Ausente a justa causa, concedo a ordem para trancar a ação penal iniciada contra o paciente.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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