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Resistência no Cacau Pirêra

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No dia 24 passado, aniversário de Manaus, a ponte Jornalista Phelippe Daou completou seis anos de inaugurada, mas uma região do outro lado da ponte, já no município de Iranduba, não tem muito o que comemorar desde aquele dia: o distrito de Cacau Pirêra.

Durante décadas as balsas que fizeram a travessia de pessoas e automóveis entre Manaus e Iranduba, e vice-versa, tinham como porto o Cacau Pirêra (na época da seca, atracavam na Ponta do Pepeta, onde hoje a ponte faz a ligação entre as duas cidades, uns dez quilômetros de distância do distrito). Naqueles tempos o comércio no Cacau Pirêra era próspero pois, diariamente, e principalmente nos finais de semana, as balsas não paravam com pessoas indo (e vindo) para Iranduba, Manacapuru e Novo Airão. “As balsas funcionavam das 5h às 22h, e nos finais de semana e feriados chegavam a ter cinco, seis delas, atravessando sem parar”, falou Pedro Paulo, vereador de Iranduba.

Mas tudo isso ficou no passado. Com a ponte, as balsas deixaram de atuar na região e o distrito, desde então, está no ostracismo. Elvis Sanches Jardim, 19, trabalha na cafeteria e confeitaria Rio Negro. Antes uma taberna,o local foi trabsformado,  há quatro anos, numa padaria, pela proprietária, pois “pães são produtos de primeira necessidade e mais facilmente vendáveis”. No entanto, apenas alguns pães ornamentam as vitrines. “Antes da ponte os produtos acabavam rapidamente, mas agora, ficam aí”, falou. “Acredito que tenha reduzido em 70% o faturamento do negócio e os clientes são basicamente os moradores daqui. O pessoal que vem de Manaus, somente nos finais de semana, não quer comprar pão. Vem mais é pros bares”, disse Elvis.

R$ 100, por dia
Outro setor que sentiu a ausência de clientes manauaras foi o dos mototaxistas. “Fundamos a cooperativa há uns dez anos. Começamos com 15 motociclistas e hoje reunimos 75. Na época da balsa chegávamos a fazer 80 corridas/dia cada um, e o valor era R$ 1,50, ou seja, faturávamos cerca de R$ 100, por dia. Hoje esse número foi reduzido para 30 corridas/dia, a R$ 3, quando o dia está bom, mas tem dias que não fazemos nenhuma corrida”, falou o mototaxista Jorge Ferreira. “Tem muita gente que trabalha por fora, pra garantir um extra”, completou. “Na época das balsas o pessoal que vinha de Manaus pegava as motos para ir para os sítios e fazendas. Agora eles vêm no ônibus, direto para onde querem ir. Não temos mais clientes de Manaus. Todo mundo que pega nossas motos é daqui mesmo, do Cacau. A metade é de alunos, que vão pro colégio, a outra metade é pra ir por aqui mesmo”, revelou. “As corridas que valem a pena são as que vão pra estrada, mas nem sempre essas corridas aparecem”, afirmou.

De armazém a hotel
José de Jesus, o Baiano, também teve que mudar de atividade depois da inauguração da ponte. “Eu vendia estivas (gêneros alimentícios), mas as vendas foram caindo, então transformei o armazém no Amazônia Hotel, com sete quartos, mas que, desde a crise de 2015, quase sempre está vazio. Meus hóspedes são pessoas que vêm de Manaus para passar o final de semana aqui. A ponte não prejudicou o hotel. Só ficou assim, ruim, com a crise econômica do país”, garantiu.

No térreo do hotel um bar ajuda a equilibrar as finanças. “Quando as balsas atracavam aqui, o movimento de pessoas não parava desde que elas começavam a funcionar até pararem. Agora está assim, cada um ‘se virando’ como pode. O pessoal não pode ir embora porque nasceu e mora aqui. Como é que vão deixar tudo pra trás? O que deveriam fazer era investir no turismo, transformar esse lugar num espaço turístico, mas em todo esse tempo não fizeram nada, não acredito que vão fazer algum dia”, reclamou.

Boa e ruim
O vereador Pedro Paulo, que é filho de José de Jesus, disse que a ponte foi boa e ruim, ao mesmo tempo, para o município. “Foi boa porque nesses seis anos de existência dela, 102 empresas, dos mais diversos segmentos se instalaram aqui. Esse mês mesmo votamos uma lei que obriga essas empresas, e qualquer outra que se instalar aqui, a contratar 60% de seus funcionários entre os moradores do município”, adiantou. “Mas com a ponte, também vieram muitas mazelas. Muita gente que ganhou indenização do governo por suas casas no Prosamim, em Manaus, pegou o dinheiro, embolsou, e veio invadir terrenos nas proximidades do Cacau Pirêra, daí surgiram as invasões Nova Veneza e Cidade Nova, onde moram de duas a três mil pessoas. São duas áreas perigosas onde, infelizmente, acontece muita coisa ruim e acabam chegando pra cá. Antes dormíamos com portas e janelas abertas. Agora não dá mais pra fazer isso sem correr o risco de sermos assaltados”, lamentou. O censo de 2010, feito pelo IBGE apontava que a população do Cacau Pirêra era de onze mil pessoas, número que Pedro Paulo acredita estar, hoje, em torno de dez mil pessoas.

Curiosidades sobre a ponte
A ponte Jornalista Phelippe Daou conecta os municípios de Manaus e Iranduba, fazendo parte da rodovia Manoel Urbano (AM-070). Inaugurada em 24 de outubro de 2011, é a única ponte que atravessa o trecho brasileiro do rio Negro, sendo considerada uma das maiores pontes estaiadas do Brasil, com 3,6 quilômetros de extensão (3.595 metros – 400 metros na seção suspensa por cabos). Seu custo total foi de R$ 1,099 bilhão (R$ 586 milhões do BNDES e R$ 513 milhões do governo do Amazonas). A ponte começou a ser construída em 2007. Foram usados aço e cimento em quantidade suficiente para erguer três estádios do Maracanã.

Devido a acidez das águas do Negro, adicionou-se pozolana (material silicioso anticorrosivo) ao concreto empregado nas estacas e no tabuleiro. A largura total da ponte é de 20,70 metros no trecho convencional e 22,70 metros na parte estaiada. Sua via contém quatro faixas de tráfego, duas em cada sentido, além da faixa de passeio para pedestres nos dois lados. O mastro central apoia dois vãos de 200 metros para cada lado. A estrutura, em forma de losango, é dividida em três partes: um cone de ponta-cabeça abaixo do tabuleiro, um cone acima do tabuleiro e o topo do mastro. O formato aerodinâmico foi adotado para diminuir o atrito com o vento.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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