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Repensar a velha esquerda

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República abriu uma possibilidade histórica para o Brasil: colocar em curso o processo de reconstrução da nação. A nação parecia viver um momento singular de encontro consigo mesma. Um momento de construção identitária que lhe permitiria olhar para dentro de si e rever os seus conceitos e significados de suas relações com o povo. De alguma forma isto vem ocorrendo no plano do projeto social na medida em que o governo ouve o povo através de fóruns, conferências, consulta pública, conselhos e outros organismos de expressão política da sociedade civil. Mas, no plano da política partidária e suas relações com os aliados no Congresso Nacional, o PT deixou-se corroer pelo libelo da corrupção presente no país desde épocas antanhas. Hoje, José Dirceu e José Genoino estão no banco dos réus acusados de corrupção passiva e peculato no evento do “mensalão”. E quem são estes políticos? São homens que tem uma história de vanguarda na esquerda brasileira, fundaram o PT e correram riscos de morte em nome de um projeto revolucionário: viveram na clandestinidade, foram exilados, enfim, sofreram as agruras da ditadura. Eram ícones daqueles que acreditavam no projeto revolucionários, porque é preciso reconhecer que os movimentos sociais tinham (ou ainda tem) no Partido dos Trabalhadores, o seu referencial. A sociedade civil brasileira foi nucleada pelo PT desde os anos de 1980. E este, certamente, o ponto nevrálgico que torna impotente o projeto de reconstrução da nação.

A criança foi com a água do banho, ou seja, a política reivindicativa foi com o PT para o Planalto. Aqueles que organizaram a sociedade civil estão hoje no governo e quem não está mais, como José Dirceu, também não é mais exemplo de resistência. Houve uma expropriação da nervura da própria sociedade civil. Quando isso ocorreu na França dos anos 80 com a eleição de Mitterand a sociedade francesa entrou em catatonia. O PT levou para o governo as reivindicações da sociedade civil, assumindo para si o seu projeto e carregando todas as suas ambigüidades. É verdade que de certa forma o pensamento socialista sucumbiu, como também é verdade que o movimento das incertezas deixa os espíritos perturbados, haja vista que as opiniões estão atravessadas pela dúvida e que não há nada de científico nas teorias políticas contemporâneas. Chegamos a um tempo em que nenhuma perspectivas utópica apresenta-se com credibilidade aos olhos dos indivíduos e das coletividades. A sociedade precisa de novas utopias uma vez que as antigas sucumbiram no autoritarismo, na opressão e na manipulação dos espíritos idealistas. Edgard Morin, um dos grandes pensadores da atualidade, reconhece que há necessidade de um novo humanismo como única possibilidade de identidade futura. Se os ideais socialistas se fizeram acompanhar por ambigüidades e paradoxos, no mínimo quebrou os encantos, mas recriar sonhos é uma qualidade dos humanos. Estamos condenados ao paradoxos, reitera Morin, mantemos em nós simultaneamente, a consciência do vazio do mundo e da plenitude que nos propicia a vida. É preciso, pois, reabilitarmos a noção de coletivo se quisermos restabelecer o papel das esquerdas.
Os sujeitos sociais precisam se libertar dos comandantes e da política personalista, para instaurar um novo protagonismo político como seres livres, evitando a disertificação da sociedade, aquilo que Max Weber chamou de desencantamento do mundo.

iraíldes caldas torres é professora da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) e doutora em Ciências Socias/Antropologia.
E-mail:[email protected]

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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