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Religião e inflação abrem caminho para frango dominar o consumo de carne

O frango está se consolidando como a carne mais consumida no mundo. Durante anos, a posição foi confortavelmente ocupada pela proteína de porco, que é a predileta no continente mais populoso do planeta, a Ásia. No entanto, de uns anos para cá, essa liderança começou a ser contestada, o que envolve fatores tão diversos quanto preço, hábitos saudáveis e até religião.

Projeções feitas pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) indicam que, até o fim da década, a humanidade vai comer mais aves do que qualquer outro tipo de proteína animal.

Em 2030, elas devem representar 41% de todo consumo, abrindo ainda mais distância em relação aos suínos (34%), bovinos (20%) e ovinos (5%). Os peixes não entram na conta.

De acordo com o estudo, o consumo de todas as carnes vai aumentar em 14% nos próximos oito anos, puxado pelo crescimento da população. Nesse cenário, porém, o frango se destaca pela maior expansão.

Ser a mais barata das proteínas animais ajuda a explicar essa projeção, especialmente nos países de baixa renda. A inflação dos alimentos costuma pesar sobre as carnes, favorecendo a escolha do frango.

Na China, por exemplo, a carne suína continua sendo a preferida, mas a alta dos preços provocou um aumento no consumo de aves. No Brasil não é diferente. Por aqui, a proteína já é a principal e deve representar 51% de todo o consumo em 2022.

Considerando a possibilidade de um ciclo inflacionário global que dure anos —como previsto por economistas em Davos— o frango deve permanecer nas listas de compras.

Mas o preço também pode ser favorável por outra perspectiva: a do aumento da renda global.

Segundo Ricardo Santin, presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), mais famílias devem entrar na zona de consumo ao longo dos próximos anos. “Sabemos que dos primeiros US$ 10 que uma pessoa começa a ganhar a mais, saindo da linha da pobreza, US$ 6 vão para comida”, afirma.

O fato de ser mais acessível, contudo, só explica uma parte dessa ascensão. Santin lembra que o consumo de aves não sofre nenhuma restrição religiosa ao redor do mundo, diferentemente do que acontece com bovinos e suínos. Por isso, há uma tendência de estabilização das outras proteínas, que vão continuar crescendo, mas não no mesmo ritmo da carne de frango.

Dirceu Talamini, pesquisador da Embrapa, também menciona esse aspecto ao explicar a projeção da OCDE. O islamismo, por exemplo, é a religião que mais cresce no mundo e seus seguidores não comem carne de porco, assim como os judeus. “É um contingente muito grande da população que acaba tendo restrições”, diz.

Outro fator que deve ser levado em consideração, na visão do pesquisador, é a saúde. Em países de alta renda, os hábitos alimentares também estão mudando, indicando uma maior preferência por carnes brancas —que são percebidas como uma escolha mais adequada.

“Em alguns locais, o porco é visto como uma carne menos saudável. Claro que na Ásia, principalmente na China, ela ainda é a preferida, mas quando olhamos o mundo como um todo, o frango tem essa vantagem de não possuir restrições de ordem religiosa, de saúde e ainda ter um preço bem acessível”, diz.

Demanda crescente impulsionou produção

Nos últimos 50 anos, a produção global de aves aumentou rapidamente, crescendo mais de 12 vezes entre 1961 e 2014. Santin, presidente da ABPA, atribui isso a uma série de fatores, como a menor necessidade de terras e a alta conversão do quilo de ração em quilo de carne —o que diminui os custos.

“Para aumentar a produção de gado, por exemplo, não basta o produtor aumentar o peso, é preciso ter mais terra, mais pastagem ou maior confinamento. Com suínos é semelhante”, diz. “Na criação de frango, há uma densidade natural e também uma melhor utilização de recursos: precisa de menos água, menos ração e menos energia”, acrescenta.

Outro aspecto importante, ele diz, é o tempo de produção. Enquanto a bovinocultura e a suinocultura demandam ciclos de um ou dois anos, na avicultura esse período é de 45 dias, em média.

Brasil tem posição estratégica

Atualmente, o Brasil é o primeiro exportador de frango e o segundo maior produtor global. Segundo Santin, isso se deve às boas condições climáticas, que favorecem a criação desses animais. “Em países frios, é preciso aquecer o frango para conseguir criar, enquanto no Oriente Médio tem que resfriar com ar-condicionado”, afirma.

Talamini, da Embrapa, ainda acrescenta o fato de o Brasil ser um importante produtor de soja e milho, que são os insumos básicos.

O pesquisador, que fez um estudo sobre a evolução da avicultura no Brasil, também destaca que o modelo brasileiro foi importado dos EUA na década de 1960, já de uma forma padronizada, com melhoramento genético, ração de qualidade e aviários de tamanho adequado.

A produção, ele diz, evoluiu num sistema de integração, em que os produtores entram com a propriedade e mão de obra, enquanto as empresas fazem a coordenação do modelo. “Somando a eficiência da organização e a tecnologia usada, a produção se firmou e cresceu muito”, diz.

Os números corroboram essa percepção. De acordo com a ABPA, só nos primeiros quatro meses de 2022, o Brasil aumentou o volume de suas exportações de frango em 9% e a receita em 32% —indicando que o mundo não está só comprando mais aves brasileiras, mas pagando mais também.

JBS é uma das companhias que se destacam nesse mercado. No ranking dos maiores produtores de frango do mundo, elaborado pela Watt Poultry, o frigorífico aparece em primeiro lugar, com 4,4 bilhões de cabeças de frango abatidas anualmente.

A empresa, que é dona da Seara, diz que sua estratégia é baseada na diversificação proteica, e que está pronta para atender à demanda de uma população que deve atingir os 10 bilhões em 2050.

“Por causa desse crescimento populacional e do aumento da presença de frango na dieta das famílias, estamos ampliando e modernizando 15 fábricas da Seara no Brasil”, disse em nota. Segundo a companhia, os projetos ficam prontos até o começo de 2023.

A segunda colocada no ranking da Watt Poultry também é brasileira: a BRF (dona das marcas Sadia e Perdigão). Em 2021, a empresa diz ter abatido 1,7 bilhão de aves.

Segundo Leonardo Dall’Orto, vice-presidente de mercado internacional e planejamento da BRF, o equilíbrio entre produção e demanda de carne de frango tem oscilado. Ele diz que, até 2021, havia um excesso de oferta de frango.

“Neste ano, devido a alguns acontecimentos como a gripe aviária nos EUA e na Europa, isso se inverteu. Temos hoje uma cadeia com mais demanda do que oferta“, afirma.

No entanto, ele destaca que o ciclo mais curto das aves permite que a indústria reaja rapidamente a essa mudança.

No caso da BRF, que tem presença forte no Oriente Médio, Japão e Coreia do Sul, ele diz que a companhia anunciou um plano de investimentos que prevê novas linhas produtivas.

“Estamos atentos a esse movimento e vamos investindo ano após ano, otimizando nosso parque fabril com tecnologia para crescer a capacidade”, diz. As informações são da Folha.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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