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Querida dona Albertina

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O tempo passou sem pedir licença a quem quer que fosse. Recordo de momentos ímpares dos quais me afastei, em meu dia a dia, sem ter a percepção de que isto ocorria. Lá estava ela: pequena estatura, magra, cabelos curtos e grisalhos. Escolaridade mediana, orgulhava-se por ter exercido, na juventude, a função de Professora, à revelia de sua não formação acadêmica.

Mãe de nove filhos, um a um. Destes, procurei, no transcorrer da vida, conhecer melhor o oitavo, com todas as dificuldades decorrentes de suas contradições, virtudes e defeitos. Conduta ética irrepreensível: o salário que chegava em cada final de mês somente era utilizado para as coisas da casa após terem sido pagas todas as contas pendentes.

Com metade de um salário mínimo de pensão, conseguia fazer a sua poupança, centavo a centavo de cruzeiro para, no fim do mês, como se dizia antigamente, abrir a tampa do cofre (uma vasilha qualquer), o pote de maionese ou simplesmente levantar o colchão, contar as moedas guardadas e comprar algo de maior utilidade para a casa.

Metódica e intransigente nos conceitos que abrigava em si, mantinha separadas as “suas coisas”, da xícara para o café ou chá, ao prato para as refeições. Seguia literalmente os dizeres bíblicos de obediência ao marido, pelo fato de ser extremamente religiosa e temente a Deus, comparecendo fielmente às missas dominicais.

Se adoecia, coisa da qual não recordo, a rotina permanecia, pois sempre a vi pronta para trabalhar no cuidado com os filhos e a casa, seguindo os ditames impostos por “seu Josino”, meu pai, que já definira: “problemas da casa e dos filhos é com a mulher”.

Assim recordo de “Dona Albertina”, minha mãe, vaidosa em suas roupinhas simples e bem passadinhas, sempre pronta e sorridente para um passeio de carro pelas ruas do bairro de Campo Grande, nossa “Big Field”, no Rio de Janeiro, finalizando com uma parada na “Sorveteria Campo Grande” para saborear o sorvete de coco, uma guloseima indispensável e o carro-chefe da casa.

Crescemos. Nós, os mais novos, também fomos “aborrecentes” e nos rebelamos contra muitas das orientações dela recebidas, discutindo e elevando a voz, até ela decretar, chinelo na mão: CHEGA. “Rabo entre as pernas”, seguíamos, tal qual cachorrinhos adestrados, para o nosso canto, exceto, e sempre existe uma exceção, o nosso irmão mais novo.

Sistematicamente ele encontrava um meio de burlar a vigilância de todos e realizar o pretendido por ele, a exemplo de uma vez em que fomos proibidos de irmos até o bairro de Bangu, durante o carnaval: o nosso rebelde desobedeceu e provocou o maior alvoroço, somente acalmando o ambiente quando tranquilamente chegou, no início da noite.

Recordo ainda da minha formatura na Escola de Especialistas da Aeronáutica, em Guaratinguetá, São Paulo, quando, já idosa para a época, em seus sessenta e dois anos de idade, já sem grandes vontades e caseira ao extremo, caminhou conosco, forçada pelas circunstâncias, de Guaratinguetá até Aparecida do Norte, o que, no dia seguinte, a deixou muito dolorida, mas, posteriormente, a revigorou por muitos anos, surpreendendo a todos nós. “Milagres de Aparecida”, dizia sorrindo.

Mas raios, diria o português de nossas piadas: “por que estás a falar de tua bendita mãe depois de tantos anos”? Pois é: aproxima-se mais um “Dia das Mães” e, marcado pelos meus nem sei quantos anos, resolvi, quando a oportunidade se faz mais viva, homenagear, simbolicamente, todas as mães, na figura de “Dona Albertina”, cada uma delas com sua história particular, que, na verdade, não deixa de ser semelhante a todas as outras, se nos ativermos ao contexto geral, sem deixar de lembrar, por mais traquinas que fôssemos, a ninguém era permitido “elogiar” nossa mãe. Briga certa, com direito a risco ou cuspe na terra para quem ousasse “xingar” a mãe alheia, esfregando o pé no chão.  

Curioso é observarmos a sequência de fatos que interligam a vida de mães e filhos, em sutil dependência mútua, da concepção e parto até a maturidade e velhice. O protetor se transforma em protegido nesse processo de interdependência e, paulatinamente, o que definia, passa a seguir padrões ditados pela evolução dos tempos.

Este é um momento crucial entre esses seres que naturalmente se amam e se protegem. Não foi diferente com “Dona Albertina”. Eu também aprontei durante o meu período etário de “aborrecente”. Gosto desse termo criado para definir a rebeldia do adolescente. Veio a velhice e a incomparável “Dona Albertina” se viu cercada de cuidados: “pode fazer isto; não deve pensar naquilo”. Excessos? “Nananinãnão”.

Pois é: hoje, já passados os meus “vinte e cinco anos”, a história se repete com todos aqueles que “já dobraram o cabo da boa esperança”, mas nada disso importa ou tem maior valia nas comemorações do dia consagrado para homenagear todas as mães do Planeta Terra, cujo simbolismo ultrapassa os limites do tempo para se fazer vivo e atual.

Aproveito a data tão significativa convidar os filhos deste maravilhoso Brasil para que reflitam sobre o que pensam sobre minhas colocações e ofereçam às suas mães, outras tantas “Dona Albertina” deste imenso país, muitas flores e presentes, representados pelo carinho, pelo afeto, pelo sorriso franco e pelo abraço apertado, a um só tempo em que pronunciam uma curta e simples mensagem: parabéns pelo seu dia. “Eu te amo, querida mãe”.  

João Suzano

é escritor
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