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Setor pesqueiro dividido sobre arrendamento de terminal

A notícia de que o Terminal Pesqueiro de Manaus será arrendado dividiu o setor. Fruto de um anseio antigo dos profissionais de reduzir o desperdício de produção, a estrutura teve seus trabalhos de construção concluídos em meados dos anos 2000, ao custo de mais de R$ 12,53 milhões. O que parecia a realização de um sonho, terminou se concretizando em um pesadelo jurídico e em virtual inoperância. Gestores e especialistas apontam que a privatização é o único caminho para salvar o terminal. Para os pescadores, no entanto, a privatização sinalizaria um estreitamento de mercado e maiores dificuldades operacionais.

Matéria da Agência Brasil informa que sete terminais pesqueiros públicos, em seis Estados, serão objeto de concessão pública, com previsão de gerar R$ 71,1 milhões, nos próximos 20 anos. Além de Manaus, a lista inclui os terminais pesqueiros públicos de Aracaju (SE), Belém (PA), Natal (RN), Vitória (ES), Cananéia (SP) e Santos (SP) – estes dois últimos serão oferecidos em conjunto. O edital foi publicado na semana passada e os leilões estão programados para 7 de março, na sede da B3 (bolsa de valores brasileira), em São Paulo. Ganha quem oferecer o maior valor de outorga, mas os vencedores terão de ressarcir também os custos dos estudos técnicos de viabilidade e as despesas com o certame.

Os terminais entraram no PPI (Programa de Parcerias de Investimento) do governo federal, pelos Decretos 10.383/2020 e 10.442/2020. Segundo o Ministério da Economia, a concessão deve beneficiar mais de 59 mil pescadores artesanais, com produção de até 54 mil toneladas anuais ano. O desperdício seria reduzido em 87,5 mil toneladas em 20 anos. Somados, os ganhos adicionais por aumento da qualidade sanitária (R$ 472 milhões) e de ganhos de produtividade na pesca industrial (R$ 192 milhões) superam os R$ 628,5 milhões que as empresas vencedoras ganharão com a operação.

A concessão inclui modernização, operação, manutenção e gestão. A vigência é de 20 anos, admitida prorrogação por mais cinco. A pressão pelo repasse dos terminais à iniciativa privada viria do TCU (Tribunal de Contas da União). No caso de Manaus, o órgão já havia determinado que o governo federal adotasse as medidas cabíveis para sua entrada em operação. Mas teria identificado também que a estrutura não tem licenciamento ambiental, embora conte com Cadastro Técnico Federal do Ibama – mas o Certificado de Regularidade estaria vencido. A área também estaria contaminada, além de não dispor de SIF (Serviço de Inspeção Federal).

Organização e entraves

De acordo com o titular da Sepa (Secretaria Executiva Adjunta da Pesca e Aquicultura) da Sepror (Secretaria de Produção Rural do Amazonas), Leocy Cutrim, desde a conclusão de sua construção, em 2005, o terminal pesqueiro enfrenta entraves fundiários e ambientais. O dirigente acrescenta que a estrutura acabou não sendo oficialmente inaugurada, embora tenha sido “invadida” pelos pescadores. “Nunca houve entrega forma. Apareceu um outro dono do terreno e a questão acabou na Justiça. Do jeito que está, fica difícil também haver licenciamento ambiental: o local era uma serraria e fica ao lado de um bueiro”, resumiu.

Leocy Cutrim avalia que a concessão é uma boa notícia, na medida em que deve permitir maior organização do setor, e deve atrair interessados, pois “roda dinheiro”. Mas considera que sua operacionalização deve oferecer obstáculos à empresa vencedora. “A estrutura vai precisar de muitas adequações para trabalhar com beneficiamento do pescado. A empresa deve enfrentar problemas também com os pescadores, que já se acostumaram a não pagar e agora terão de sair da zona de conforto”, ponderou, acrescentando que a  melhor opção seria a escolha de outro local para um novo terminal.

O ex-superintendente da Conab, administrador com especialização na gestão de informação ao agronegócio familiar e empresarial, e colaborador do Jornal do Commercio, Thomaz Meirelles, concorda. Segundo o especialista, por conta da “novela” em torno da estrutura, o prédio do terminal pesqueiro nunca funcionou, nem sequer foi equipado com câmaras frigorificas, estrutura de beneficiamento e escritórios para tanto. A balsa, por outro lado, teria sido “ocupada” pelos pescadores, para o uso de “embarque e desembarque”.

“O prédio até chegou a ceder, teve rachadura, etc”, destacou. “É lamentável, pois era um sonho antigo e não realizado, fora os milhões do cofre público desperdiçados. Participei de várias reuniões e audiências públicas sobre o tema ao longo desses anos, e nada foi resolvido. Então, como não fizemos o dever de casa, acho correta a decisão do governo federal tentar vender essa estrutura. Quem sabe na mão da iniciativa privada possa, pelo menos funcionar, o que não aconteceu até hoje”, emendou.

Lucro e desperdício

Já o presidente da Fepesca (Federação dos Pescadores dos Estados do Amazonas e Roraima), e ex-deputado estadual, Walzenir Falcão, reforça que nunca houve inauguração e que a situação atual está longe de ser satisfatória para a classe. Mas, frisa que sempre foi contra a privatização, por considerar que a entrada da iniciativa privada vai piorar ainda mais o cenário. Para o dirigente, a mudança limita a margem de ação e os ganhos dos pescadores, além de reduzir a variedade de oferta, em função de uma gourmetização do mercado.

“Isso vai trazer mais demanda, mas onde o pescador vai encostar? Onde o feirante vai comprar o produto que vai distribuir na cidade? Não vai ter como, porque o interesse da empresa vai ser o lucro. Pelo mesmo motivo, peixes populares, como jaraqui, bodó, acari e pacú não vão ter mais vez. Vai ter espaço apenas para pescados de maior valor, como pirarucu, tucunaré e tambaqui, e os preços vão subir. Onde estão a Câmara Municipal de Manaus e a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas?”, questionou.

Da mesma forma, Falcão lamenta que, passada mais de uma década e meia de sua construção, o terminal pesqueiro nunca tenha recebido estrutura para refrigeração de pescados. E garante que as perdas ainda são significativas, apesar da oferta não conseguir acompanhar o crescimento da demanda. “Em qual Estado se joga peixe fora todo dia? Só aqui mesmo. O desperdício é de 20% em cima da produção diária, que já foi de 200 mil toneladas e hoje é de 120 mil toneladas”, desabafou.

O presidente da Fepesca informa que está em conversação com o governo do Estado para buscar outra opção para os pescadores. O local mais provável é o Porto de São Raimundo, na zona Oeste, já que a área ficou ociosa após a construção da Ponte Jornalista Phelippe Daou, e a consequente desativação dos serviços de balsas. “Se hoje o flutuante funciona é porque resgatamos a estrutura, que estava abandonada. Eu poderia recorrer ao Ministério Público Federal, mas não vou fazer nada. Já conversamos com o governador, em agosto, e devemos voltar a nos reunir para falar do assunto, ainda nesta semana”, encerrou.

Procurados pelo Jornal do Commercio, por telefone, WhatsApp e e-mail, o superintendente federal de Agricultura no Amazonas, Guilherme Pessoa, e o presidente da Comissão Especial de Licitação da SAP (Secretaria de Aquicultura e Pesca) do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Flávio Augusto Modesto e Silva, não retornaram as perguntas da reportagem, até o fechamento desta matéria.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio
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