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Por que nossa educação é tão ruim?

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Que a nossa educação é muito ruim, disso quase ninguém tem dúvida. Essa ruindade é percebida desde o ensino pré-escolar ao doutorado. Quando me refiro a ruindade quero que me entendam que o objetivo da educação não está sendo alcançado. Exemplos: o médico formado não sabe medicar, o engenheiro não sabe fazer engenhos, o administrador não sabe administrar, o educador não sabe educar. Isso é tão verdadeiro que são raros os casos de se encontrar alguém que, efetivamente, tenha conseguido aprender o mínimo que deveria saber. São raros os médicos que sabem curar, os engenheiros que saibam engenhar, os administradores que saibam administrar e o educador que saiba educar. Por que isso acontece? Este artigo tem como objetivo mostrar as duas origens da nossa ruindade.

Chamamos egressos àqueles indivíduos que concluem algum tipo de formação. Quem concluiu um curso de 20 horas sobre vendas é considerado um egresso daquele curso, da mesma forma que a pessoa que finalizou todos os requisitos de um curso de graduação em qualquer área do conhecimento, como os médicos veterinários e economistas. Do ponto de vista gerencial, os egressos são os produtos de um sistema de formação (tecnicamente chamado de sistema de operação). Um curso é um sistema de formação que produz egressos, que são os profissionais formados.

Quando queremos formar um conjunto de profissionais, planejamos o perfil desejado (chamado perfil profissiográfico) e desenhamos o esquema de incorporação dos requisitos desse perfil ao longo do tempo. Assim, à medida que o tempo vai passando, profissionais (chamados professores, técnicos e especialistas em educação e naquela área do conhecimento) vão adicionando aos participantes do curso aqueles requisitos (conhecimento, habilidades e atitudes) para que, ao final do tempo previsto, o profissional desejado se concretize. Este é nosso primeiro problema: os professores não sabem ensinar.

Não sabemos ensinar porque não aprendemos a ensinar. No caso das universidades, os professores universitários não sabem ensinar porque seus cursos de pós-graduação, que é a exigência legal para ensinar nesse nível, provavelmente não continham nenhuma disciplina que lhes ensinassem ensinar. E também não lhes treinaram nas técnicas e estratégias de ensinamento. Está redondamente enganado quem pensa que mestrado e doutorado prepara para a docência, para o ensino, e mais redondamente enganado quem imagina que prepara para a pesquisa. Na verdade, não sabemos para o que prepara, a não ser alguns raros cursos de excelência Brasil afora, que formam mesmo excelentes pesquisadores. E nada mais.

No ensino pré-escolar e básico o problema é ainda pior. Os educadores tanto não aprendem a ensinar quanto não conseguem aprender os inúmeros campos de conhecimentos a que são submetidos completamente desvinculados da natureza da educação, que é saber como ensinar e como aprender. Os projetos desses cursos (e coleciono mais de 1.400 matrizes curriculares de cursos de educação e pedagogia de todo o país) são tão dispersos e desfocados que não se consegue visualizar educação ali. Mostrei algumas matrizes para colegas estrangeiros e todos eles não acreditavam que aquilo era matriz de profissional de educação, porque é abissalmente diferente das matrizes de formação de professores em praticamente todo o mundo.

A segunda causa da nossa tragédia é gerencial. Quem dirige a educação governamental e nas escolas, com raríssimas exceções, são analfabetos gerenciais. O analfabetismo gerencial é uma categoria analítica que engloba aqueles indivíduos que não tiveram uma formação formal ou experiência técnica (domínio dos procedimentos e ferramentas básicas de todas as áreas gerenciais e sobre o processo gerencial). Nas escolas públicas, por exemplo, quem dirige as escolas quase sempre são pedagogos ou egressos de cursos de educação. Se um egresso de curso de administração, que estuda quatro ou cinco anos quase que exclusivamente disciplinas voltadas para o gerenciamento, não consegue dar conta de uma escola, imagine quem estudou apenas 60 ou 100 horas de forma superficial… Três ou quatro mil horas de formação fazem muita diferença…

Entregar uma escola para analfabetos gerenciais é como entregar uma aeronave repleta de passageiros para o pescador que nunca viu um avião ou um barco de pesca para o piloto que só viu barcos em revistas. E é pura ingenuidade imaginar que alguém vai aprender gestão com o tempo, estando no comando das escolas e universidades. Tanto é assim que a cada ano que passa nossas universidades e escolas públicas ficam cada vez pior. Na iniciativa privada a situação ainda é um pouco melhor porque os donos ou têm alguma experiência efetiva ou pagam alguém que saibam conduzir seus negócios. Além disso, se o professor não sabe ensinar, ele é demitido, da mesma forma que o gerente que não sabe gerenciar.

Educação é coisa séria. Se para produzir um produto que traga confiança ao comprador tem que passar por alguns milhões de inspeções (é isso mesmo!) até que seja entregue ao cliente, porque não temos que ter preocupação semelhante com a formação do ser humano? Por que damos mais valor aos produtos do que às pessoas? A resposta (e a culpa) não é de governo nenhum, de capitalista nenhum, de mercado nenhum e de quem quer que seja que não nós mesmos. Nós é que deixamos os analfabetos gerenciais chegarem ao poder, a começar do vereador e prefeito ao presidente da república, da mesma forma que deixamos nossas confianças em educadores que estão mais preocupados com a luta de classes e confrontos de burguesias e proletariados do que em saber como as pessoas aprendem, como as pessoas podem ensinar bem. No mundo todo, onde a educação funciona, professor sabe ensinar e gerente sabe gerenciar. E sabem fazer isso porque a programação de suas formações está voltada para alcançar esse sucesso: saber ensinar e saber fazer. As nossas formações nos treinam para falar. Falamos pelos cotovelos. Aliás, não é nem falar: é caluniar. Se um professor ensina bem e deixa os alunos felizes porque aprenderam, é caluniado por ser tecnicista. O que importa é ser crítico, entendido crítica com a prática da calúnia. O dia que professores souberem ensinar e diretores de instituições forem administradores, sairemos do fundo do poço da educação. Enquanto esse dia não chega, continuaremos a amargar nossa triste situação e a colocar a culpa nos outros pela nossa inação e ignorância.

*é PhD, professor e pesquisador do Ifam (Instituto Federal do Amazonas) – [email protected]

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
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