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População recorre ao famoso ‘jeitinho brasileiro’ para vencer as dificuldades na crise

Foto: Fred Novaes

MARCELO PERES

Face: @marcelo-peres   Instagram: @jcommercio 

A crise econômica força o brasileiro a recorrer ao jeitinho tão famoso para enfrentar as dificuldades. Alguns, ocupam praças públicas vendendo todos os tipos de produtos, desde salgados, sanduíches e até utensílios domésticos, algo que pode ajudar no orçamento das despesas de casa. Assim é em Manaus, capital do Amazonas, e em outros Estados do Brasil.

Dona Eulália Chaves, 46, sai diariamente, ainda no raiar do dia. Ela mora na zona leste de Manaus. E faz uma aventura para chegar até as imediações do mercado central da capital, onde vende quentinhas por R$ 6 a trabalhadores que por lá param suas atividades na hora do almoço para abastecer o estômago. O preço baixo atrai muitos clientes.

“A situação está difícil. Meus dois filhos estão desempregados. Também fazem bicos vendendo guloseimas. Tudo isso ajuda nas despesas de casa”, conta. O caso de dona Eulália é comum a milhões de brasileiros, que hoje sentem os impactos do alto desemprego no País.

Mauro Alves, vendedor ambulante nas imediações da feira Manaus Moderna, também se empenha todos os dias para levar o sustento à família. Vende salgadinhos, doces e até mimos para pets. “A gente tem que se esmerar para vender alguma coisa. Mas as pessoas não têm dinheiro, só comprando o que realmente é necessário”, diz.

Mesmo sendo um país rico, o Brasil continua muito desigual. Não há empregos para todos. A inflação impacta diretamente no custo de vida. Os alimentos estão cada vez mais caros. Poucos ainda conseguem levar o leite para casa. Uma lata do produto não sai por menos de R$ 18. E os preços são remarcados praticamente todos os dias nas grandes redes de varejo.

A carne também se tornou um produto de luxo. Até os ossos, que são utilizados para o preparo de sopas, estão também salgados, servindo para muitos aliviar a fome. Os cortes de primeira são só acessíveis mesmo às populações de maior poder aquisitivo.

Divulgada na semana passada, uma pesquisa aponta que quase metade dos brasileiros com 16 anos de idade ou mais precisaram fazer atividades extras nos últimos 12 meses para complementar sua renda. A necessidade pela realização de bicos foi relatada por 45% dos entrevistados no levantamento amostral conduzido pela Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), empresa fundada por executivos que respondiam pelo extinto Ibope Inteligência (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística).

Os dados foram encomendados pelo ICS (Instituto Cidades Sustentáveis), uma organização não governamental que desenvolve iniciativas com foco no combate às desigualdades, na promoção dos direitos humanos, na participação social e na defesa do meio ambiente.

Percepção

Segundo pesquisadores, o levantamento foi planejado com o objetivo de revelar dados da percepção da população sobre questões sociais, raciais, de gênero e de orientação sexual. Entre 1º e 5 de abril, foram entrevistadas 2 mil pessoas em 128 municípios espalhados por todas as regiões do território nacional.

A maior parte dos bicos relatados está relacionada com serviços: 33% dos entrevistados citaram ter complementado sua renda com serviços de manutenção, de beleza, de segurança, de motorista, de entregas por aplicativos ou ainda com trabalhos domésticos de faxina, de babá, de aulas particulares e de cuidados com idosos e com animais. Outros 28% informaram que levantaram recursos para driblar dificuldades econômicas vendendo mercadorias, incluindo alimentos preparados em casa, objetos artesanais confeccionados manualmente, roupas e artigos usados, cosméticos e produtos de beleza ou produtos em geral, voltados para o comércio ambulante.

Alguns entrevistados relataram obter renda adicional com mais de uma dessas atividades. A pesquisa mostrou ainda que a necessidade de realização de bicos é mais frequente em famílias com renda até um salário mínimo.

O economista Jean Ogan, especializado em macroeconomia, avalia que a situação vai piorar ainda mais no próximo ano. Para ele, os R$ 48 bilhões liberados emergencialmente nestes momento que antecedem as novas eleições vão impactar diretamente na vida de toda a população. “Todos vão pagar o preço de toda essa sandice financeira”, alerta. 

O levantamento também revela que 34% dos entrevistados consideram que, nos últimos 12 meses, aumentou a população em situação de rua e 29% dizem ter visto mais indivíduos trabalhando nas ruas. Além disso, 74% avaliam que houve um crescimento do número de pessoas em situação de fome e pobreza. Esse índice é maior nas capitais, chegando a 85%, e cai para 57% em cidades menores, com até 50 mil habitantes.

Criado em 2007, o ICS concentra seus esforços em iniciativas alinhadas às agendas globais de desenvolvimento sustentável, como os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015.

Preocupante

Segundo nota divulgada pela entidade, os resultados da pesquisa apontam para um quadro preocupante em relação à ODS 10, que fixa dez metas para redução das desigualdades dentro dos países e também entre eles. “Os dados revelam que a maioria expressiva da população brasileira consegue perceber o aumento da pobreza no país, além de observar uma grande vulnerabilidade em relação às minorias sociais, como negros, mulheres e pessoas LGBTQIA+”, diz a entidade.

A pesquisa buscou identificar a percepção da população sobre diversos tipos de preconceito. Do total de entrevistados, 74% apontam locais onde brancos e negros são atendidos de forma diferente. Essa situação foi associada principalmente aos shoppings e estabelecimentos comerciais, às escolas e universidades e aos ambientes de trabalho. Episódios de preconceito racial em algum desses espaços foram relatados por mais de 35% dos entrevistados.

No Sudeste, chega a 45% a parcela das pessoas que consideram existir esse tipo de situação envolvendo shoppings. No Nordeste, chama atenção a menção a hospitais e postos de saúde por 27%, bem acima da média nacional de 19% para esses locais.

Entre as mulheres, 47% afirmaram que já enfrentaram algum tipo de assédio, sendo que 29% delas relataram situações em espaço público, 27% no transporte público e 23% em bares ou restaurantes. Esses percentuais atingem recordes na Região Sudeste, chegando respectivamente a 37%, 35% e 27%.

Além disso, 58% afirmaram que já sofreram ou viram alguém sofrer discriminação em função de sua identidade de gênero ou orientação sexual. Novamente o espaço público se destaca como local onde esses episódios acontecem com mais frequência, tendo sido citado por 30% dos entrevistados.

Marcelo Peres

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