14 de outubro de 2024

Polo amazonense produz bens de consumo de maior valor agregado, dependentes de crédito

Lideranças classistas e economistas ouvidos pela reportagem do Jornal do Commercio avaliam que a redução da Selic tende a aquecer os negócios nos próximos meses. A estimativa é que o  PIM será especialmente beneficiado, já que produz majoritariamente bens de consumo e de maior valor agregado, voltados para o mercado doméstico e dependentes de crédito. As fontes não deixaram de lamentar, contudo, que a decisão tenha se dado sob pressão política, e após muitos rounds entre o Executivo federal e o BC (Banco Central), arranhando, até certo ponto, a imagem de autonomia da autoridade monetária.   

Mas há um certo consenso também de que o Copom arbitrou diante de um cenário de deflação e semi paralisia econômica. Diante dessa encruzilhada, o Comitê de Política Monetária surpreendeu o mercado, nesta quarta (2), e bateu o martelo por um índice de redução acima do esperado. O corte promovido foi de 0,5 ponto percentual, baixando a Selic de 13,75% para 13,25% por ano. Foi o primeiro rebaixamento da taxa em três anos, após 12 meses de estabilidade em um patamar elevado e cada vez mais distante do IPCA.

A decisão de diminuir os juros foi unânime, embora o mesmo não possa ser dito do tamanho do corte. Quase metade do colegiado sugeriu um índice menor, de 0,25 p.p. A lista inclui os diretores Diogo Guillen (Política Econômica), Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais), Maurício Costa de Moura (Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta) e Renato Dias Gomes (Organização do Sistema Financeiro). Cinco membros arbitraram pela redução de 0,5 p.p., incluindo os diretores Ailton de Aquino Santos (Fiscalização), Carolina de Assis Barros (Administração), Gabriel Galípolo (Política Monetária) e Otávio Damaso (Regulação). O ‘voto de Minerva’ veio justamente do presidente do BC, Roberto Campos Neto. 

“O Comitê avalia que a melhora do quadro inflacionário, refletindo em parte os impactos defasados da política monetária, aliada à queda das expectativas de inflação para prazos mais longos, após decisão recente do Conselho Monetário Nacional sobre a meta para a inflação, permitiram acumular a confiança necessária para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária”, destacou o texto do comunicado do Copom, acrescentando que o colegiado prevê cortes de 0,5 p.p nas próximas reuniões, em “ritmo adequado para manter a política monetária contracionista necessária para controlar a inflação”.

Melhora e ‘politicagem’

O presidente da Faea, Muni Lourenço, considerou que a redução da Selic foi “importante e positiva”, pois favorece a retomada econômica. “A expectativa do setor agropecuário é que haja continuidade desse processo de redução dos juros, para que o custo de funcionamento diminua. Dessa forma, poderemos ter maior movimentação para a economia rural e mais investimentos em novas tecnologias, com ampliação dos empreendimentos”, asseverou.

Mais veemente, o presidente do Sinduscon-AM, Frank Souza, destacou que considera a decisão “super acertada”, diante da atual conjuntura econômica e da regulamentação tardia do Minha Casa Minha Vida –que responde por 80% das obras imobiliárias no Amazonas. “A CBIC reduziu a projeção de crescimento do PIB do setor para este ano, de 2,5% para 1,5%. Os juros altos encarecem todo o processo, para incorporadores e clientes”, apontou. “Mas, acho que a tendência agora é que o mercado melhore. E esperamos que a Selic feche o ano em 12%. O setor só tem que olhar com bons olhos para isso, porque serão mais financiamentos e clientes comprando”, comemorou.

Em contrapartida, o vice-presidente da ACA, Paulo Couto, lamentou que a decisão tenha se dado sob pressão política e pôs em dúvida a avaliação técnica do colegiado. “O comunicado registra a incerteza do ambiente externo. É preciso que a politicagem não destrua a estabilidade e comprometa o controle inflacionário. Ao comércio não interessa uma inflação crescente, que será sempre danosa à economia e especialmente ao consumidor. Precisamos ficar atentos a qualquer ação política danosa que possa comprometer o status quo econômico. O BC deve zelar por isto e o tempo de avaliação desta redução, se positiva, não se dará em menos de 60 dias”, frisou.

“Caráter técnico”

A ex-vice-presidente do Corecon-AM e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, argumentou que, embora a retomada da queda da Selic atenda expectativas de diversos setores da sociedade, a decisão se deu por caráter técnico e em sintonia com o atual movimento deflacionário. A economista acrescenta que, para definir a taxa, o Copom leva em conta o perfil dos títulos públicos federais negociados, o nível de emprego e renda, as taxas de inflação projetadas para 2023, 2024 e 2025 e o ritmo da atividade econômica. 

“O comunicado deixa transparecer um colegiado dividido, mas sinaliza ao mercado novos cortes. Tecnicamente falando, o Copom atua com mãos de ferro e segue firme como guardião da moeda. Os efeitos sobre a atividade econômica serão bem modestos, mas devem aparecer nos próximos dias. A Selic serve como balizadora para os juros cobrados pelos bancos, que levam em consideração principalmente o risco de ‘calotes’, que permanece alto dadas as dificuldades de recuperação do mercado de trabalho”, ponderou.

O ex-presidente do Corecon-AM, consultor empresarial e professor universitário, Francisco de Assis Mourão Júnior, concorda que a diminuição dos juros veio no “momento certo” e “sob pressão política” do governo e do setor privado, mas estima que o tamanho do corte foi “bem conservador” e deve vir na mesma medida nas próximas reuniões. “Estávamos com a inflação já quase no teto da meta e uma Selic alta, travando a economia. É um sinal verde para novas reduções, para que o consumidor volte a comprar e movimente a economia. Vai ser muito bom para a ZFM, que vende para o mercado interno”, avaliou.

Mais otimista, a consultora empresarial, professora universitária e conselheira do Cofecon, Denise Kassama, também comemorou a decisão e argumentou que o corte poderia até ser de 0,75 p.p., diante dos atuais números da economia. “Parece que os deuses do BC mostraram que têm coração. O ministro da Economia, Fernando Haddad, fez a lição de casa e acredito que este foi um ato de boa fé. Essa decisão traz aspectos significativamente positivos para nossa economia, pois alivia o bolso do brasileiro, principalmente o endividado. Concomitantemente com o programa Desenrola, o consumidor deve ter uma vida mais fácil. Esperamos novas quedas”, arrematou. 

Arcabouço e rotativos (só se tiver espaço)

A decisão do Copom também repercutiu nos meios políticos. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) usou a tribuna, nesta quarta (2) para comemorar o corte. Para o político, a aprovação do novo arcabouço fiscal pelo Senado, que ainda deve passar por nova votação na Câmara, e a articulação da reforma Tributária devem reforçar um quadro de otimismo em relação à economia brasileira, com geração de emprego, renda e crescimento do PIB.

“O Brasil inicia um ciclo gradual e sustentável de redução da taxa de juros. Uma importante sinalização para investidores, para o mercado e empresas”, ressaltou. “Mas estamos longe de resolver outra vergonha nacional, os juros do crédito rotativo do cartão de crédito, de mais de 400%, e os juros do cheque especial e do microcrédito”, encerrou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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