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O Rio Negro é o mais forte

Quando no último dia 15 anunciou-se que o prédio-sede do Atlético Rio Negro Clube seria levado a leilão para pagamento de dívidas trabalhistas, os manauaras que gostam de futebol e de história sentiram um frio na barriga. Quem conheceu a glória do futebol baré de antes da década de 1980 sabe da importância daquele prédio e o seu leilão, venda e possível demolição para a construção, em seu lugar, de um prédio comercial poderia significar o fim definitivo do time do Rio Negro. Felizmente não foi o que aconteceu.

A história da área onde o prédio-sede está construído começou bem antes de sua inauguração, em 12 de julho de 1942 e é um pouco tétrica. No local, entre a então estrada de Epaminondas, as ruas Ramos Ferreira e Luiz Antony, e o beco dos Inocentes (atual rua Simon Bolívar) foi construído o cemitério São José onde aconteceu o primeiro enterro em 7 de março de 1856. Por mais de 30 anos os enterros se sucederam no São José até atingir o esgotamento do terreno. O último deles ocorreu em 16 de julho de 1890, mas o cemitério permaneceu no local.

Cemitério São José
Foto: Divulgação

Com a inauguração do novo cemitério da cidade, o São João Batista, em 1891, para lá os enterrados no São José passaram a ser transferidos. Em 1926 a prefeitura solicitou aos proprietários de túmulos perpétuos que transferissem seus mausoléus para o São João Batista. Em 1932, os restos mortais que não foram reclamados, também seguiram para o ossuário do novo cemitério e o cemitério São José, que não mais existia, foi transformado no belo jardim São José.

De graça, até cemitério

Em 1938 o terreno do jardim São José foi doado ao Rio Negro, que já existia desde 13 de novembro de 1913. O time de futebol havia passado por seis sedes, por isso seus dirigentes não pensaram duas vezes em aceitar o terreno do ex-cemitério. A primeira sede, ainda em 1913, foi na residência de Paulo Nascimento, um dos fundadores do clube, na rua Henrique Martins. Em 1917 a sede já estava na residência do vice-presidente Themistocles Soeiro, na rua Joaquim Nabuco, onde não demorou muito pois, em 1918, foi transferida para um prédio na rua Guilherme Moreira esquina com a rua Marquês de Santa Cruz, onde também não passou muito tempo sendo mudada para o Palacete Germano, alugada a Argemiro R. Germano, na praça da Constituição. Em 1919 a sede do Rio Negro está em outro espaço alugado, o Palacete da Baronesa de Vila Gião, na rua Marcílio Dias onde, depois, por muitos anos funcionou a ‘Casa do Trabalhador’. Nesse local, a sede do Rio Negro ficou até 1924 quando foi levada para outro prédio alugado, o Palacete dos Epaminondas, na rua Barroso.

Em 1938, um dos diretores do Rio Negro, o jurista e orador do clube, João Huascar de Figueiredo redigiu um pedido à prefeitura solicitando a doação de um terreno para a construção da sede definitiva do clube, no que prontamente foi atendido pelo prefeito Antonio Maia. A doação oficial do terreno aconteceu no dia 22 de maio de 1938, no gabinete de Maia e, em seguida, foi lançada a pedra fundamental da obra.

O prédio em construção
Foto: Divulgação

Uma lenda urbana que surgiu com a construção da piscina do clube é que ossadas humanas foram encontradas pelos operários, mas a história nunca foi confirmada.

O interventor no telhado

A Revista Rionegrino, publicada pelo próprio clube, acompanhou o andamento das obras de construção do prédio, que durou quatro anos, e passou a ser chamado de ‘Casa do Rionegrino’. Uma das matérias dizia o seguinte:

‘Uma das maiores iniciativas da directoria do Atlhetico Rio Negro Club é, como todos attestam, a construcção da “Casa do Rionegrino”, à Praça da Saudade. Projecto do competente e acatadissimo architecto amazonense dr. Aluízio Araújo está sendo cumprido fielmente pelos conceituados constructores J. Lopes e C., sob a fiscalização dos velhos “rionegrinos” engenheiros Argemiro Pessôa e Ariolino Azevedo. Marcada para muito em breve a conclusão das obras, estará a cidade dotada de uma das mais soberbas edificações, levantada com os impulsos da energia e do idealismo da mocidade que forma sob a bandeira gloriosa do A.R.N.C’.

Em 1942, a sede ficou pronta e o último ato, antes da inauguração oficial do prédio, foi a colocação das telhas. Num gesto inusitado, o interventor Álvaro Maia subiu até o telhado e colocou a primeira telha. Assim a revista noticiou o evento.

Álvaro Maia, um interventor no telhado
Foto: Divulgação

“Festa da cobertura. Realizou-se no dia 27 do mês último, o acto symbolico do início da cobertura da “Casa do Rionegrino”, o imponente edifício que o A.R.N.C. está construindo, para a sua séde, na Praça da Saudade. Presidiu ao acto o Interventor Álvaro Maia, que, após colocar a primeira telha, pronunciou empolgante oração de exhortação à mocidade rionegrina”.

A título de curiosidade, a praça da Saudade ganhou esse nome popular exatamente por estar em frente em cemitério São José.

O benfeitor Sung Un Song

Após a inauguração, a sede do Rio Negro se tornou um point dos esportes, em Manaus. Além do time de futebol, o local se tornou a casa de outras modalidades como natação, futsal, basquete, judô, handebol e viu o surgimento do vôlei no Amazonas. Os bailes de Carnaval promovidos pelo clube, no famoso Salão dos Espelhos, marcaram gerações de endinheirados da elite cabocla. Belas moças da alta sociedade baré disputavam concursos de beleza e foi de lá que Terezinha Morango partiu para a conquista do Miss Brasil, em 1957. Com o anúncio do leilão do prédio, aos 79 anos de existência, parecia que todo aquele passado seria enterrado, mas eis que surge um enviado dos deuses do esporte, e da história, o empresário Sung Un Song, que logo no dia 22, arrematou por R$ 3,78 milhões o prédio avaliado em R$ 9,70 milhões, prometendo mantê-lo da mesma forma, bem como investir no futebol, para que o time, que há 20 anos se arrasta em derrotas, seja soerguido.

Sung Un Song é o dono da empresa Digitron e benfeitor da Fundação Matias Machline desde 2016, a qual assumiu após a morte de seu fundador, o empresário Matias Machline, para quem Sung Un Song trabalhou. No ano passado a Fundação mantinha 1.001 alunos em ensino integral, recebendo fardamento, alimentação, assistência médica e odontológica gratuitos.

Sung Un Song, o benfeitor
Foto: Divulgação

Agora é torcer para que as mãos mágicas do empresário tragam de volta os tempos de glória da sede, do time barriga preta e das demais atividades que ali sempre aconteceram.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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