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O expressionismo do ´poeta da morte´

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Se vivo estivesse, no próximo dia 28 de abril o poeta paraibano Augusto dos Anjos estaria completando 136 anos. Para o poeta amazonense Zemaria Pinto, membro da Academia Amazonense de Letras, Augusto dos Anjos estará sempre vivo através de suas poesias, ainda que ele tenha ficado conhecido como o ‘poeta da morte’. A segunda edição de ‘A invenção do expressionismo em Augusto dos Anjos’, livro de Zemaria, resultado de sua dissertação de mestrado, já está pronta, aguardando apenas a onda do corona vírus passar para ser lançado.

“A primeira edição é de 2012. O trabalho continha uma antologia dos poemas de Augusto dos Anjos, que eu classifiquei como expressionistas. Com ele, participei de vários eventos literários, entre eles, um congresso na Federal de João Pessoa, em 2014, nos 100 anos da morte do poeta, para o qual eu preparei a comunicação ‘A poesia expressionista de Augusto dos Anjos’, que depois virou um ensaio com o mesmo título. Na prática é um resumo da dissertação. Mas, se não tivesse nada disso, é porque Augusto dos Anjos é um dos maiores poetas da língua portuguesa”, afirmou.

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 28 de abril de 1884, no Engenho do Pau d’Arco, Paraíba, filho de proprietários de engenhos, os quais seriam perdidos alguns anos mais tarde, em razão do fim da monarquia, da abolição e da implantação da república.  

O poeta vivenciou a época do parnasianismo e simbolismo e das influências destas escolas literárias através de seus escritores, como: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Cruz e Souza, Graça Aranha, dentre outros.

“O que existe é um grande e apressado equívoco, que o professor Eduardo Portela chamou de ‘o infortúnio crítico de Augusto dos Anjos’. Augusto desenvolveu uma técnica de composição absolutamente inédita, para a qual ele não deu nome, e que, depois, foi chamada, na Europa, de expressionismo, na ‘cola’ do movimento que já era consagrado nas artes plásticas”, lembrou.

“Podemos indicar a poesia de Baudelaire, a arte de Rembrandt e a filosofia de Schopenhauer, como as origens comuns dessa confluência poética. Isto não anula, entretanto, a classificação convencional: de fato, alguns poemas de Augusto são parnasianos, outros tantos, simbolistas. Mas a grande maioria de seus poemas, tanto do ‘Eu’, quanto inéditos, escritos depois da publicação do livro, são expressionistas”, disse.

Eu, o único livro

O único livro do escritor, intitulado ‘Eu’, trouxe inovação no modo de escrever, com idéias modernas, termos científicos e temáticas influenciadas por sua multiplicidade intelectual.

“Eu divido a poesia de Augusto dos Anjos em quatro fases: a primeira vai dos 16 aos 19 anos. Eram poemas ainda muito ruins, hoje, nas edições de poesia completa, entram sob o título ‘Poemas Esquecidos’. A segunda fase vai até os 22 anos, quando acontece a ruptura. Nesta segunda fase, ele produziu um dos mais belos poemas simbolistas da língua portuguesa: ‘Vandalismo’. A terceira fase vai dos 22 até a publicação do livro, com 28 anos. A quarta fase, até sua morte. A ruptura a que me referi é quando ele ‘inventa o expressionismo’, embora, aqui e ali, de acordo com as circunstâncias, ainda escrevesse um ou outro poema de cunho simbolista, e, muito eventualmente, parnasiano”, esclareceu.

O poeta tinha como tema uma profunda obsessão pela morte e teve como base a idéia de negação da vida material e um estranho interesse pela decomposição do corpo e do papel do verme nesta questão.

“A morte é um tema que fascina os poetas desde sempre. Além de Baudelaire, Shakespeare também exerceu grande influência em Augusto dos Anjos. Ambos tinham na morte o seu tema principal. Só precisamos entender que, para falar de morte, precisamos falar de vida – esse é o verdadeiro tema desses poetas”, afirmou.

Os melhores poetas

E quem acredita que é do sofrimento que brotam as melhores poesias, Zemaria desmistifica a questão.

“Não, isso é uma piada do Vinicius de Moraes, ele mesmo um homem feliz, além de grande poeta. Augusto dos Anjos, ao contrário do que pintam seus detratores e até alguns equivocados aliados, era um homem absolutamente comum, ligado à família, frequentando regularmente a igreja e até participando da vida social da paróquia, emprestando seu talento literário, inclusive. Teve problemas, claro, como todos nós temos, de saúde (morreu-lhe um filho) e de dinheiro. Mas, levava uma vida pacata e normal. E nem na morte sofreu muito: uma pneumonia fulminante o levou precocemente”, revelou.

Apesar de Augusto dos Anjos ter ganhado o epíteto de ‘poeta da morte’, o lançamento do livro de Zemaria Pinto, que estava marcado para sábado, 21, foi adiado devido ao corona vírus, então, instado a dizer quais poetas amazonenses, ou mesmo brasileiros, que hoje se destacam no cenário literário, preferiu a política.

“Desculpe-me, mas eu só conheço os ‘nomes já conhecidos’, em Manaus, no Amazonas e no Brasil”, talvez preferindo respeitar um dos versos de Augusto dos Anjos, ‘a mão que afaga é a mesma que apedreja’.

Por dentro


Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,

Templos de priscas e longínquas datas,

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.

 

Na ogiva fúlgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradiações intensas

Cintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.

 

Como os velhos Templários medievais

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos…

 

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas

Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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